ARTIGO – Somos todos reféns. Por Marli Gonçalves

Se tem uma palavra da qual temos ouvido falar é essa, reféns, especialmente desde a eclosão do mais recente conflito no Oriente Médio e agora com a negociação de uma trégua e a libertação de alguns capturados de um lado, pelo Hamas; de outro, de detidos em Israel. Mas se a gente pensar bem, somos todos reféns de algo, incluindo a espera de boas notícias

reféns

Mas nem sempre temos negociadores capazes de nos libertar, como em grandes acontecimentos, como este da guerra, que movimenta países. Ou mesmo da polícia que manda oficiais treinados quando há ocorrências com reféns. Isso, claro, quando não manda atiradores de elite que resolvem a questão na bala quando as conversas emperram ou há riscos maiores envolvidos.

No nosso caso particular temos na maior parte das vezes de nos virar sozinhos. Creio que há situações que somos reféns, inclusive, de nossos próprios pensamentos e sentimentos. Muito louco isso, porque não conseguimos contê-los e são capazes de nos deixar amarrados, imóveis, e por muito tempo até consigamos nos desvencilhar deles, medos, pessimismos, controvérsias; muitas vezes nem nos damos conta de quantos algozes enfrentamos durante uma vida.

Mulheres, por exemplo, ainda são algumas das principais reféns de uma sociedade infelizmente predominantemente machista. Reféns por elas, pelos filhos, pela falta de condições gerais de combater ameaças, e em muitas histórias que diariamente vemos com algum terrível e mortal desfecho, especialmente quando tentam escapar do que, sim, pode ser considerada uma das mais violentas lutas, as vividas dentro de um relacionamento tóxico do qual tentaram de alguma forma se livrar. Não há dados reais sobre isso. Só o silêncio que paira atrás de portas e janelas fechadas e ouvidos moucos aos apelos que quando descobertos muitas vezes até causam intensa surpresa por envolverem pessoas que acreditávamos imunes. Reféns são obrigados a disfarçar sua condição, até para não sofrerem ainda mais.

Aos reféns cabe ou submeterem-se ou criarem mirabolantes planos de fuga, dos fatos, quando reais, ou dos abstratos quando se trata de questões internas, sentimentos, quando há consciência deles. E nem sempre isso acontece, bem sabemos, tantos fatores envolvidos.

Mas também acabamos reféns de coisas bobas, como a própria aparência e condição social, e o que tem sido comum nesses tempos de redes sociais onde muitos esbanjam beleza, alegria, riqueza e liberdade em imagens e relatos quase que sobrenaturais se bem analisados. Daí nascem e proliferam os golpes cada vez mais sofisticados, as cirurgias desnecessárias das quais muitos voltam piores e disformes, e até ainda mais reféns de uma sociedade, de um grupo. Podemos, como que na guerra, sermos capturados sem nos dar conta, sem violência, sem alarde. Pior, sem ajuda.

Um dos maiores temores, pelo menos de meu ponto de vista, é o de sermos capturados pela ignorância, pelas falsas promessas, como temos visto ocorrer em diversas partes do mundo, atrás de variados líderes convincentes sobre o que tanto gostaríamos de ouvir, inclusive negacionistas óbvios que utilizam artimanhas ideológicas e de convencimento, verdadeiras redes para incautos, que ainda correm o risco de idolatrar seus próprios algozes.  Daí já vimos surgirem os maiores horrores da Humanidade inclusive aqui e em outros locais onde rapidamente se espalham, buscando legiões. Vendem liberdade onde só há autoritarismo. Progresso e riquezas que só chegam, enfim, para poucos, e com custos altos para a maioria.

Muitos, líderes políticos que vendem suas próprias loucuras, no formato de mudanças. Vendem até os seus países, e avançam cada vez mais.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – E agora, brasileiros? Que é que a gente faz? Por Marli Gonçalves

Está aturdido? Percebeu só agora a causa de o país estar nessa bancarrota, e nós bancarrotados? Na lista tinha nomes pelos quais você ainda juraria de pés juntos? Sinto muito. O que a gente pode fazer? Vamos ficar parados, só olhando, ouvindo, achando que tudo isso vai passar e o mundo estará livre de ratos?

O que os olhos não veem o coração não sente. Pois agora não só estamos sabendo, como ouvindo e vendo, em detalhes formidáveis, a roubalheira que parece não ter mais fim e que não temos noção de onde foi exatamente esse começo. Talvez quando nos orgulhávamos do tal “jeitinho brasileiro”. Ou quando começaram a aparecer de todos os lados ídolos de lama, salvadores da pátria, guerreiros dos trabalhadores, do povo, libertadores? Gente parecida com agentes de trânsito que só sabem de esquerda, direita. De uma vez por todas, presta atenção naquela máxima “quando a esmola é muita até o santo…”

Não podemos substituir o coentro pelo cheiro verde, como diria a natureba Bela Gil. Então eu te pergunto, porque também estou me perguntando, angustiada. O que a gente faz, objetivamente? Na prática?

Não quero ser chata, mas informo: primeiro, que vem mais, muito mais por aí, e as revelações serão depuradoras; segundo, que não será a Justiça – nem se ela tomasse anfetamina e de repente aparecesse toda lépida, ágil, e moralizadora – a resolver a pergunta sobre qual país estará saindo disso tudo, que direção tomar. Sozinho não anda.

Continuo vendo na tevê as mesmas caras de pau, com os mesmos bocas-duras, línguas de trapo, os mesmos partidos, com as mesmas cantilenas, como se não fosse com eles o assunto. Desmemoriados. Contra o soro da verdade que, parece, embebedaram os delatores executivos, um relaxante, antes que começassem a dar o serviço. Não posso ter sido só eu que detecto alegria e certo alívio nas declarações, naturalidade sincera, ironia cáustica e vingativa nos detalhes e nos apelidos. Ah, os apelidos! São um capítulo à parte. Definitivos. Eles pagaram, gastaram, mas também se divertiram. Extorquiram e foram extorquidos. Mas botaram no papel – até programa especial inventaram – tim-tim por tim-tim, até porque precisavam cobrar os préstimos. E negócio entre malandros tem leis especiais, fora dos círculos oficiais. Igual droga.

Uma amiga querida, muito querida, está tão indignada que não consegue pensar em outra coisa que não seja o degredo de todos eles, vejam só. Degredo. Lembra que há 500 anos Portugal mandou para cá tudo quanto é gente que não prestava, e que agora seria hora de devolver esses que parecem ser seus descendentes. Suei para explicar a ela que seria uma sacanagem com o local escolhido para largá-los. Como ela está muito brava, também deve ter pensado numa cela gigante, um dragão engolindo a chave.

O problema – e nisso ela concorda – é que nada disso resolveria a questão principal. Como salvar o país que derrete sob nossos pés? Esses envolvidos são lixo que não dá para ser reciclado, altamente infectados.

Como lidar com essa vergonha que nos assola diariamente, nos deixa tão atônitos que acabamos esquecendo que algo precisará mesmo ser feito qualquer hora dessas, e o momento é agora, now? As Organizações Odebrecht acabaram. O Rei pode ser deposto. Não sobrou nem a pedra fundamental.

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20170227_154333

Marli Gonçalves, jornalistaNão. Nunca vi nada igual. Hora que é bom ser como sou, sempre fui, meio do contra. Mas estou anotando todas as sugestões que me parecerem sérias, porque não dá para se acostumar jamais com tanta sacanagem. Lista delas.

Brasil, escandalizado, humilhado, na encruzilhada, 2017

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