ARTIGO – Somos todos reféns. Por Marli Gonçalves

Se tem uma palavra da qual temos ouvido falar é essa, reféns, especialmente desde a eclosão do mais recente conflito no Oriente Médio e agora com a negociação de uma trégua e a libertação de alguns capturados de um lado, pelo Hamas; de outro, de detidos em Israel. Mas se a gente pensar bem, somos todos reféns de algo, incluindo a espera de boas notícias

reféns

Mas nem sempre temos negociadores capazes de nos libertar, como em grandes acontecimentos, como este da guerra, que movimenta países. Ou mesmo da polícia que manda oficiais treinados quando há ocorrências com reféns. Isso, claro, quando não manda atiradores de elite que resolvem a questão na bala quando as conversas emperram ou há riscos maiores envolvidos.

No nosso caso particular temos na maior parte das vezes de nos virar sozinhos. Creio que há situações que somos reféns, inclusive, de nossos próprios pensamentos e sentimentos. Muito louco isso, porque não conseguimos contê-los e são capazes de nos deixar amarrados, imóveis, e por muito tempo até consigamos nos desvencilhar deles, medos, pessimismos, controvérsias; muitas vezes nem nos damos conta de quantos algozes enfrentamos durante uma vida.

Mulheres, por exemplo, ainda são algumas das principais reféns de uma sociedade infelizmente predominantemente machista. Reféns por elas, pelos filhos, pela falta de condições gerais de combater ameaças, e em muitas histórias que diariamente vemos com algum terrível e mortal desfecho, especialmente quando tentam escapar do que, sim, pode ser considerada uma das mais violentas lutas, as vividas dentro de um relacionamento tóxico do qual tentaram de alguma forma se livrar. Não há dados reais sobre isso. Só o silêncio que paira atrás de portas e janelas fechadas e ouvidos moucos aos apelos que quando descobertos muitas vezes até causam intensa surpresa por envolverem pessoas que acreditávamos imunes. Reféns são obrigados a disfarçar sua condição, até para não sofrerem ainda mais.

Aos reféns cabe ou submeterem-se ou criarem mirabolantes planos de fuga, dos fatos, quando reais, ou dos abstratos quando se trata de questões internas, sentimentos, quando há consciência deles. E nem sempre isso acontece, bem sabemos, tantos fatores envolvidos.

Mas também acabamos reféns de coisas bobas, como a própria aparência e condição social, e o que tem sido comum nesses tempos de redes sociais onde muitos esbanjam beleza, alegria, riqueza e liberdade em imagens e relatos quase que sobrenaturais se bem analisados. Daí nascem e proliferam os golpes cada vez mais sofisticados, as cirurgias desnecessárias das quais muitos voltam piores e disformes, e até ainda mais reféns de uma sociedade, de um grupo. Podemos, como que na guerra, sermos capturados sem nos dar conta, sem violência, sem alarde. Pior, sem ajuda.

Um dos maiores temores, pelo menos de meu ponto de vista, é o de sermos capturados pela ignorância, pelas falsas promessas, como temos visto ocorrer em diversas partes do mundo, atrás de variados líderes convincentes sobre o que tanto gostaríamos de ouvir, inclusive negacionistas óbvios que utilizam artimanhas ideológicas e de convencimento, verdadeiras redes para incautos, que ainda correm o risco de idolatrar seus próprios algozes.  Daí já vimos surgirem os maiores horrores da Humanidade inclusive aqui e em outros locais onde rapidamente se espalham, buscando legiões. Vendem liberdade onde só há autoritarismo. Progresso e riquezas que só chegam, enfim, para poucos, e com custos altos para a maioria.

Muitos, líderes políticos que vendem suas próprias loucuras, no formato de mudanças. Vendem até os seus países, e avançam cada vez mais.

____________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Os bufões da guerra. Por Marli Gonçalves

Um amigo, sábio, silencioso, tranquilo, sempre muito equilibrado, de repente o vejo publicar no Facebook uma série de imagens de bufões, palhaços, saltimbancos. Apenas elas, sem qualquer texto. Nesta loucura que vivemos, até demorei um pouco para entender o claro recado que ele deixava – sua opinião sobre a guerra que assistimos atônitos

bufões da guerra

Mas entendi, e com clareza. Há mesmo vários bufões envolvidos nesse conflito mundial que desembocou na invasão da Ucrânia pela Rússia, e não estou querendo aqui fazer qualquer análise dessas super sérias de geopolítica ou histórica, que já tem bastante gente fazendo isso, alguns com aquela velha cara de “conteúdo”, de sabichões.

Faço apenas o registro atual de que nesse conflito e em tantos outros que vivemos eles estão lá, os bufões; pior, no poder, com poderes. São variados. Há os poderosos como Vladimir Putin, da Rússia. Os que caíram de paraquedas, como Volodymyr Zelenky, que preside a Ucrânia desde 2019, e que, portanto, era até há pouco apenas um ator humorista, alçado ao cargo por sorte e porque a política internacional também têm os nossos mesmos problemas – o voto tentativa no novo, no desconhecido, no salto no escuro, para tentar fugir da política tradicional, a aposta no tal diferente. Isso quando podem votar livremente, e o que não é o caso em locais como China, Coreia do Norte (do bufãozinho esquisitinho), a Venezuela de Maduro, e mesmo da Rússia, que ali também liberdade não há. Uns toda hora tentando derrubar outros. Com bombas, tanques, foguetes, envenenamentos, ataques hackers, poderio nuclear, estrangulamentos econômicos, patadas.

Tudo sem a menor graça.

Só que depois do inefável Trump, os Estados Unidos, a super potência, elegeu Joe Biden, o que tanto aplaudimos, mas que também rapidamente virou decepção com aquele eterno sorriso embutido, olhinhos fechados disparando ameaças de pouca efetividade. Claro que você está aí lembrando de vários outros nomes e interesses envolvidos nesse furdunço e entendendo como essa salada muito pouco divertida se transformou no maior conflito armado desde a Segunda Guerra.

Vai sobrar para nós. Aliás, já está sobrando com queda de Bolsa, aumento do barril do petróleo, escassez de produtos, problemas para a importação de trigo, e a angústia de centenas de famílias brasileiras com seus membros ilhados no meio de tudo isso.

Temos um bufão especial para chamarmos de nosso. O presidente Jair Bolsonaro se esmera em nos enrubescer e envergonhar ainda mais diante do barulhento e mortal cenário internacional com o seu comportamento irresponsável – que não encontrei palavra melhor para definir, no mínimo, a forma como está conduzindo o país nesta situação. Mais uma vez destoamos, inclusive de nossos vizinhos. Agora é torcer apenas para que a situação atual não se agrave ainda mais, torcer pelo cessar-fogo. Esperar para que mais essa ferida cicatrize. Mas a marca vai ficar. Já ficou.

Não sei se por conta da superficialidade das redes sociais, se por conta da pandemia que deixou todo mundo atazanado, das constantes crises econômicas, de uma confusão de extremos ideológicos, ou se da cultura do ódio que novamente vemos surgir, a verdade é que ninguém mais leva a sério nada.

E tudo é muito sério. Parece que tudo pode. Nem os próprios bufões são levados a sério entre eles, em parlamentos, grandes mesas, parlatórios, pronunciamentos, reuniões, em suas grandes entidades. Em seus próprios países.

Nós não os levamos a sério.

Ultimamente surgiu mais uma chatinha modinha de linguagem. O tal “é sobre isso”é sobre aquilo”, que talvez você já tenha notado, usado toda hora para resumir argumentos numa discussão, de forma a clareá-los. E encerrar a discussão.

Então, lá vai. É sobre isso. Ninguém mais se leva muito a sério, nem na hora do voto. Não se leva mais a sério nem os perigosos bufões. Mas os bufões, ah, estes pessoalmente se levam muito a sério, e querem permanecer poderosos, custe o que custar, já não são mais só apenas os bobos da corte. Vide os nossos.

___________________________________________________

Marli - perfil cgMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

 (se republicar, por favor, se possível, mantenha esses links):
Instagram: https://www.instagram.com/marligo/
No Twitter: @marligo
Blog Marli Gonçalves: www.marligo.wordpress.com
No Facebook: https://www.facebook.com/marli.goncalves

ARTIGO – Por favor, parem, agora! Por Marli Gonçalves

Parem! Essa exaustão contínua, diária, nos leva a caminhos sem volta, nos tornando – a todos – tristes, amargurados. Revoltados. Descrentes. Apavorados. Tudo já andava muito difícil, mas a pandemia chegou para tornar a situação brasileira praticamente insuportável pela insanidade que atinge os que deveriam buscar soluções; pior, aplaudidos por desinformados por essa impressionante turba de ignorantes gestados nesses tempos e que vêm saindo dos ralos.

PAREM

A senhora que cuida da portaria da galeria onde preciso entrar prepara o termômetro eletrônico para medir a temperatura. Ela está sentada. Por isso, me abaixo para facilitar, indicando a testa, o lugar correto para essa medição. Ela aponta para meu pulso. Digo para ela medir na testa. Ela teima. Digo, ou mede na testa, ou não mede, ok? Ela retruca: mas “dizem” que faz mal. Já não estou bem humorada, minha delicadeza desce o morro rapidamente, e respondo com palavras ásperas e em tom mais alto, chamando sua atenção para a bobagem. Cenas assim tornam-se comuns, dá medo até de sair de casa. Mas está decidido: se tiver a ver comigo, perto de mim, respirando o mesmo ar, haverá reação. Seja onde for: no prédio onde moro, no mercado, no transporte, na feira. Uma questão de defesa pessoal, para a qual sempre estarei pronta.

Fico chateada, mas é que ver o descaso, viver em um país que diariamente salta olimpicamente para trás sem que a reação possa ser vista se tornou um pesadelo. Minha paciência anda esgotada.

Enfim, não é só a paciência. Ando bem esgotada, e imagino que muitos de vocês aí do outro lado também estejam e possam entender do que falo com total sinceridade. Não quero por isso arrumar inimigos, ser atacada, xingada de comunistazinha, entre outras mensagens que recebo, muito menos perder leitores arduamente conquistados. Apenas alertar que estamos chegando a um perigoso limite e que precisamos falar sobre isso. Antes que seja tarde demais. E já estamos atrasados para essa conversa.

Quero, adoraria, inclusive, falar a um número maior de pessoas, atingir “não iniciados”, que isso é o que o jornalismo faz, na sua quase impossível busca por imparcialidade. Afaste ideologia, sentido de direção, esquerda, direita, esses conceitos antigos e ultrapassados. Pelo amor de Deus, parem de aceitar qualquer informação dessas, malignas, que correm pelas redes sociais que viraram campos de batalha: uns querendo ser mais famosos e ter mais seguidores que outros, a qualquer preço; redes que, mais do que papel, aceitam qualquer coisa. Parem de não prestar atenção ao que leem; e de ouvir contar e passar à frente teses estapafúrdias embrulhadas em papel brilhante. Respeitem a Ciência, a imprensa séria que está nas ruas buscando informar a realidade, nessa perigosa tarefa.

A ignorância, a maledicência, a cegueira, mata muita gente – não sujem suas mãos e consciências apoiando líderes malditos e suas equipes desgraçadamente desorientadas. Perceba quantos estão tombando, gente boa, amiga, importante, familiar, querida. Gente sua, minha, nossa. Por quantos estamos rezando fervorosamente para que sobrevivam. A situação se agrava de forma acelerada, assim como o medo dessa loteria macabra.

Apoiar o negacionismo, ir contra as regras de distanciamento, isolamento social, não usar máscaras, sair por aí em baladas, compras, esquecer o básico, não é “legal”, “liberdade”, desobediência civil, revoltinha nem revolução. É simplesmente brincar com a morte, com o futuro, com o próximo.

Continuando nessa toada é que, aí sim, vamos assistir o que é revolta, revolução social, desobediência civil – a verdadeira – e que já respiramos, sobressaltados, porque será só ela a solução caso essa situação se mantenha por mais alguns meses, assim, insuportável. E não será nem um pouco divertido, garanto; convulsões sociais não são divertidas.

Então, pensa. Juízes se digladiando entre si, tacando o livrinho da Constituição uns nos outros. Em um momento como esse não dá para perdoar e achar bonito – sem enumerar todos os fatos – um presidente e uma primeira dama que desrespeitam seu povo, inaugurando vitrines com roupas que usaram no dia que desgraçadamente tomaram posse no poder. Se possível, essas roupas deveriam ser destruídas. Não dá para aceitar que o arroz, feijão, o óleo, os alimentos da cesta básica, se tornem inacessíveis, e que sejam dadas regalias a fabricantes de armas. Não dá para aceitar que cargos do governo sejam negociados nas nossas fuças com o que há de pior na política nacional. Não dá para aceitar risadinhas irônicas, negros racistas, o meio ambiente depenado, a Cultura e o Turismo nas mãos de mais um desafinado, que pessoas que comandam a economia sejam tão insensíveis, o astronauta que vive boiando. Especialmente não dá para aceitar que o comando da Saúde esteja na mão de quem parece não saber nem onde está parado – e está parado bem em cima de decisões fundamentais para que possamos sair dessa situação. Brincando, sem vacinas, agulhas, testes, sem transparência. E sem corar.

O lugar que ocuparão na História haverá de ser cruel tanto como fazem por merecer.

Precisamos apelar para que sejam eles que estejam no finzinho. Ou, escute, não vamos aguentar. Isso não vai dar certo. Por favor, parem, agora!

_______________________________________

MARLI

MARLI GONÇALVES –  Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

_____________________________________________

(se republicar, por favor, se possível, mantenha esses links):
Instagram: https://www.instagram.com/marligo/
Blog Marli Gonçalves: www.marligo.wordpress.com
No Facebook: https://www.facebook.com/marli.goncalves

No Twitter: https://twitter.com/MarliGo

ARTIGO – Dei pra filosofar. Por Marli Gonçalves

Um velho amigo, ao ler esse título, certamente me arremedará, com um sorrisinho sarcástico, retrucando em voz alta, de onde estiver: “Pode filosofar sem dar”. Só buscando algum bom humor para sobreviver na atual seara nacional. Tem outro jeito, a não ser ficar por aí, pensativo?
filosofar

Bem, se um presidente pode falar de sexo com uma criança, como fez essa semana, e de novo, numa “live”, referindo-se daquela forma peculiar, para não dizer outra coisa, que palavrão não cabe, posso fazer também alguma referência mais marota, uma vez que escrevo para o público adulto. Público esse para o qual dirijo meus pensamentos, e para o qual peço, por favor, por instantes que seja, que deixe de lado essa divisão político-ideológica meio burra com a qual estamos convivendo, de “ou é isso, ou é aquilo”. Cansei. Estou querendo conversar sobre comportamento, um monte de coisas sobre as quais ando pensando. Você não pode estar achando isso tudo normal. Não pode.

Coincidência, talvez, essa semana assisti à entrevista do Caetano Veloso, 78 anos, ao Pedro Bial, e a dois documentários; um, sobre Ney Matogrosso, 79, e outro, sobre Milton Nascimento, 77. Ouvi as suas músicas, suas letras fantásticas, suas histórias tão ricas. Me emocionei e me orgulhei muito de viver a época que nasci, e que pude acompanhar por anos esses e outros dessa mesma faixa etária, e em todos os campos, inclusive intelectual.

O que será de quem chega agora? O que podem aprender? Que arte, que música poderão fazer (nossos ouvidos que o digam) convivendo com época tão escassa em inteligência? Como veem a vida, o país, os fatos, a política, como participarão?

Todo dia – quem pode achar isso tudo bem? Não estamos sendo governados pelos Trapalhões, muito menos sentados no banco da Praça da Alegria. Vivemos um momento mundial dramático, e dramático num nível que me parece quase impossível que alguém não tenha sido de alguma forma atingido. E ao invés de algum refresco, o que temos?

Todo dia tem bronca, tem bobagem, tem briga, tem mico, ameaças à democracia e à razão, trapalhadas, frases desconexas, moralistas ou com informações erradas ou falsas, sem qualquer sentido, e vindas de algum membro do governo instalado e formado sabe-se lá Deus com quais critérios.  Não que da oposição (onde mesmo está Wally?) seja melhor, que dali também, convenhamos, ouvimos cada balbuciada quando esta aparece, põe a carinha na porta! Mas estas manifestações ainda são tão ralas e ainda com aquela velha mania de falar só para já convertidos que se fosse uma igreja chamando fieis os bancos ainda estariam vagos.

Quieto há mais de mês, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, apareceu. Afirmou em evento lá por aquelas bandas, que jovens se tornaram “zumbis existenciais” ao não acreditarem mais em Deus e também na política. Discursou e quem ouviu já se ligou: lá vem censura de assuntos nos livros do MEC. “Valores”. Que valores, pastor? ops, ministro! Que política, ministro? E quanto a Deus, deixe-o em paz, que cada um tem sua forma de entendê-lo.

Horas depois, na tal live  ao lado de uma menininha country com QI de sempreviva, e que não tenho a menor ideia de onde tiraram, cercado de seus puxa-sacos habituais, o presidente, em poucos minutos, rindo, e como diria meu velho pai, fazendo papagaiadas, ofendeu os gordos, falou a favor do trabalho infantil, fez menções contra os LGBTs, agrediu as mulheres com sua misoginia latente ( que pelo menos agora ele sabe o que é misoginia) e ainda discorreu sobre a raça negra de uma forma que é difícil até de comentar. Faltou falar sobre a posição papai e mamãe, rosa e azul, mas passou bem perto.

No mesmo dia vemos um vídeo circulando – sendo repercutido até pelo vice-presidente – negando que haja o que o mundo inteiro está cansado de assistir diariamente – queimadas na Amazônia, o horror, o descuido com uma de nossas maiores riquezas naturais. O bichinho que apareceu, “amazônico”? O coitado do mico Leão Dourado, o belo macaquinho que vive muito longe lá da Amazônia, da floresta, é daqui da Mata Atlântica do Rio de Janeiro.

Parafraseando o que todo dia acompanhamos da pandemia, a média móvel de sandices só aumenta, só sobe. E eles nem coram.

Concluo que vivemos uma outra pandemia paralela, onde distraídos chegamos. A um retrocesso absoluto. É muita hipocrisia, moralismo, incapacidade de pensar, estudar, lidar com a razão, o conhecimento e a Ciência, desrespeito às liberdades individuais, o que vivemos – e não é só deste ano, deste governo. Isso nos atinge há algum tempo, a todas as gerações, nos torna pessoas piores, devasta a cultura nacional e a criatividade, leveza, ousadia e simpatia com que éramos conhecidos.

______________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

_________________________________________________________

(se republicar, por favor, se possível, mantenha esses links):
Instagram: https://www.instagram.com/marligo/
Blog Marli Gonçalves: www.marligo.wordpress.com
No Facebook: https://www.facebook.com/marli.goncalves
No Twitter: https://twitter.com/MarliGo

ARTIGO – Como é o seu candidato ideal? Por Marli Gonçalves

Como é a pessoa em quem você votaria de olhos fechados, sairia feliz para votar até debaixo de chuva e frio, como se diz, ou até debaixo de facas, não temeria a pandemia e voltaria para casa orgulhoso por ter praticado a cidadania em sua melhor forma? Ela existe?

candidato

Mulher? Homem? Alguma causa social a ser defendida? Você se importa com o partido ao qual pertencem? É que temos tantos (33) que é até bem confuso, porque pouco eles se diferenciam entre si, sejam de centro, esquerda, direita, direções que cada vez mais apontá-las se torna indiferente nessa nova sociologia que enfrentamos. Existem tantos porque tem uma torneirinha que vaza nosso dinheiro para cada um deles.

Essa semana pensei muito nisso. Passamos por seis horas de imersão no tema eleições e marketing político, em curso online do jornalista e um dos experts no assunto, Carlos Brickmann. Foram seis horas, duas horas em três dias. Interessante pensar nos variados aspectos eleitorais pelo menos um pouco antes, e, especialmente, neste ano tão cheio de surpresas, mudanças, medo. Além da premente e visível necessidade de renovação e mudança. Tempo muito curto. Piscou, e vai chegar o dia, um domingo, 15 de novembro, primeiro turno; e onde houver segundo turno será 29 de novembro, apenas 14 dias depois.

Como será a presença? Terá forte abstenção? Vacina, até lá, desistam. A eleição atual será de âmbito municipal, prefeitos e vereadores, tudo o que é mais perto da gente, de onde moramos, vivemos, transitamos. A “outra”, nacional, federal e  estadual, tão esperada por grande parte da população que não sabe nem como é que chegaremos lá, tão destroçados que já estamos, só em 2022. Você seria a favor de que todas as eleições fossem unificadas? Gostaria que esta tivesse sido adiada? Você vai votar?

O tempo curto: a campanha começa oficialmente só no próximo dia 27 de setembro. Imagino que já deve ter recebido aceno de algum amigo ou conhecido que será candidato, com quem você há anos não falava e já esteja percebendo a candura e “saquinhos de bondades” de alguns prefeitos que adorariam se reeleger. Acredito ainda que já perceba de repente até algumas máquinas na pista e homens trabalhando em locais onde eram esperados já há algum tempo.

Nas nossas conversas sobre o assunto, na qual participaram pessoas de todas as regiões do país, percebemos a chegada de vários candidatos bem intencionados, que vão tentar serem eleitos para buscar contribuir com seus conhecimentos. Embora pelas Câmaras passem todos os assuntos, seria muito bom se nelas houvesse conhecimento mais preciso sobre temas como Saúde, Educação, Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano, Segurança Pública. Mas também é fundamental, muito especialmente, que a Câmara seja composta de forma diversificada e que atente também a temas comportamentais, como as questões de gênero, raça, entre outras que nos são tão caras e sempre tão esquecidas ou deixadas de lado.  Pense bem nisso quando for votar.

Na questão feminina, pela qual tenho especial apreço, pensa na importância de termos mais mulheres nos parlamentos. Não só pela luta pela igualdade, mas pelos aspectos que tanto nos afligem, e só a nós, que precisam ser consertados ou resgatados, inclusive em relação ao respeito aos direitos conquistados e nos tantos que ainda faltam. Cuidado com essa questão de cotas, onde muitas são postas apenas como números. Procure as que realmente fazem a diferença. É a hora das lideranças comunitárias, daquelas que há muito tempo guerreiam, sejam de qual idade forem. O mesmo para as questões LGBTs.

No curso, interessante, se concluiu que o povo vota por emoção, mas não gosta de quem ataca os adversários, especialmente se esse ataque for abaixo da linha da cintura. Agora não é hora de acirrar ainda mais essa divisão nacional, bolsonaristas, lulistas, etc… – mas, sim, hora – e oportunidade – de dissipá-las, em prol de uma união nacional. Vote em quem fala a verdade, aliás, quem sempre falou, porque nessa hora o que tem de gente esquecendo o que disse, o que escreveu, o que já prometeu e não cumpriu, não é brincadeira.

Se eu pudesse pedir voto, apenas diria: vote contra a ignorância que precisamos conter, com tanta força. Fique atento às notícias, promessas e informações falsas, a arma dos incompetentes. Muitas coisas talvez não dê para falar pessoalmente, nesse ano o contato será muito “digital”, com máscaras. Não se deixe enganar por quem é capaz de levantar, sem perceber, um anão, pensando ser uma criança. Esqueça a política antiga e, já que essa chegará em grande parte por redes sociais, utilize esse mesmo campo com consciência, seja para apoiar, seja para incrementar com os temas que farão a diferença nesse futuro ainda tão incerto que vivemos.

Ah, me conta, por favor, se puder, como é o seu candidato/candidata ideal? Não é de hoje que me dedico a tentar entender este país.

______________________________________________

MARLI GONÇALVES Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

_______________________________________________________________

 (se republicar, por favor, se possível, mantenha esses links):
Instagram: https://www.instagram.com/marligo/
Blog Marli Gonçalves: www.marligo.wordpress.com
No Facebook: https://www.facebook.com/marli.goncalves
No Twitter: https://twitter.com/MarliGo

#ADEHOJE – COISAS QUE NÃO ENTENDO

#ADEHOJE – COISAS QUE NÃO ENTENDO

 

SÓ UM MINUTO – Há muitas coisas que a gente precisa fazer força, pensar, meditar, para entender. Mas há algumas que a resposta só pode ser pela ignorância e falta de conhecimento de nosso povo, somada agora à avalanche de desinformações que rola na internet e nas redes sociais. Essa história das vacinas, por exemplo. Como assim 17 milhões de brasileiros do público-alvo não foram se precaver? O Rio de Janeiro é o campeão de faltas, para completar as desgraças que lá realmente não faltam. É fundamental se vacinar, por você e por todos à sua volta. Gripe mata. Gripe mata, principalmente idosos. Vai, corre! Até o dia 31, campanha, nos postos de Saúde.

Também não entendo muitas coisas da política – aquelas que não é possível que todos não estejam vendo, ou se quedam cegos por professar a ideologia do atraso.

Amanhã, em todo o Brasil, novas manifestações dos estudantes com a pauta da Educação e contra os cortes absurdos propostos. Em cartaz, em todo o país.

ARTIGO – Em busca do prazer perdido. Por Marli Gonçalves

Vou falar desse assunto um pouco proustiano porque creio que muito mais gente pode estar se sentindo assim e talvez seja bom trocarmos ideias, um pouco de filosofia, essa conversa particular. Não confunda prazer com felicidade. Prazer é fugaz, mas alegria necessária no nosso árido cotidiano.

 

Anda faltando prazer. Anda me faltando prazer. Demorei dessa vez um pouco mais do que de costume para distinguir o porquê de uma certa tristeza no fundo do coração, como definiria e responderia como me sinto, claro, caso alguém me perguntasse. O que anda meio difícil, que alguém queira saber de outro realmente se está tudo bem. Tudo bem, tudo bom. Cada vez mais as relações são fugazes, superficiais e as pessoas estão voltadas aos seus próprios umbigos e a como salvar os seus rabos. Não é uma crítica. O mundo está assim mesmo. Cabe a todos admitirem onde o sapato aperta.

Mas especialmente quem vive só, ou melhor, convive consigo mesmo, tem de estar esperto ao que o seu eu interno está sentindo, até para evitar o agravamento enquanto é tempo. Quem pode, pode, faz análise, viaja, tira ano sabático, inventa uma moda, sai comprando coisas – que comprar coisas é sempre bom. Quem não pode… escreve.

Pode ser a aproximação de mais um aniversário, os teimosos e inúmeros cabelos brancos que despontam revelados pelo espelhos. E que parecem rir da sua cara quando se tenta puxá-los da cabeça. Pode ser essa sensação de ter se tornado invisível justamente para aqueles os quais mais gostaria de estar sendo vista. O tempo correndo.

Pode ser por causa de tanta coisa. Pode ser esse país maluco e desorientado, todo dia ouvir índices bons descendo, índices ruins subindo, o tempo escorregando numa rotina qualquer. A repetição das desgraças que poderiam ser evitadas, e das tragédias que, por mais longe que seguidamente ocorram, nos afetam a sensibilidade – cada vez mais acompanhamos ao vivo muitas delas e diante de nossos olhos elas se desenrolam sem que possamos interferir em nada.

Tenho um bom amigo psicanalista, um vizinho de quem gosto muito, também jornalista, e que um dia vi conseguir mudar um monte de coisas na vida dele. Continua mudando. Me contava que para se “salvar” diminuiu drasticamente o número de horas “GloboNews”; se informa no estritamente necessário. Já eu não posso fazer isso, por conta da atividade, mas detectei uma parte da minha própria angústia: os plins 24 horas vindos da internet, dos e-mails, das redes sociais, do SMS, do Whatsapp, que agora ainda tem mais essa. Cancelar notificações: ajuda.

Continuando a conversa, ele citou um autor que pergunta: “Você realmente quer aquilo que deseja?” “É mesmo o que precisa?”. Porque desejar muito é constante fonte de angústia. Citou ainda mais o que faz para si, a leitura e a culinária, essa última encontrei várias vezes citada como excelente forma de prazer. Cozinhar. Criar.

Prazer é descrito como uma sensação de bem-estar, a gente demonstra alegria quando tem prazer. É uma resposta do nosso organismo. É aquela sensação agradável. Efêmera, curta, mas fundamental. Os prazeres ocorrem à flor da pele.  O dicionário é claro: sentimento agradável que alguma coisa faz nascer em nós; deleite, gozo, delícia; gosto, desejo; alegria, contentamento; boa vontade, agrado; distração, divertimento. E olha que nem estou falando do prazer sexual, que esse é outro capítulo.

Cazuza queria uma ideologia para viver. Eu quero prazer, ter mais prazer. Ideologias há muitas e ultimamente elas têm sido fonte é de enorme desprazer. Porque as pessoas se apegam a elas – talvez até em busca de preencher seus vazios existenciais – e têm ficado meio burras agarradas nessas tábuas de salvação.  Acabam tentando limitar o prazer a aquilo que alguém ao longe acena friamente buscando fanáticos para segui-los. Acabam com os nossos, em palavras, canetadas, agressões.

O prazer é coisa pessoal, individual, precisa ser livre e desimpedido, acontecer quando menos se espera, naturalmente. Prazer me faz sorrir, me impulsiona, dá ânimo, me deixa bem, combina comigo.

Mas precisa de ambiente propício. Que é o que não vem sendo o caso, também descobri nessa busca que empreendi para entender meus sentimentos.

 E você, como está se sentindo? O que é que te dá prazer?

_________________________________________________________________

(CRÉDITO FOTO: Alê Ruaro, para o projeto Identidade Brasileira)

Marli Gonçalves – jornalista

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

São Paulo, no outono.

———————————————————————————————————-

ME ENCONTRE (se republicar, por favor, se possível, mantenha esses links):

https://www.youtube.com/c/MarliGon%C3%A7alvesjornalista

(marligoncalvesjornalista – o ç deixa o link assim)

https://www.facebook.com/BlogMarliGoncalves/

https://www.instagram.com/marligo/

#ADEHOJE – VIVEMOS MOMENTOS SÉRIOS. ATENTE, O PAÍS PARADO

#ADEHOJE – VIVEMOS MOMENTOS SÉRIOS. ATENTE, O PAÍS PARADO

 

SÓ UM MINUTO – Ontem, uma senhora – já com seus mais de 70 anos – empacotava as coisas do comércio que mantinha há mais de 30 anos na região. Uma tristeza ver. Seu comentário: “enquanto o nosso presidente continua preocupado com Venezuela, Argentina, fofocas e nossas vidas, o país está paralisado”. O despreparo, inclusive emocional, de Jair Bolsonaro, fica cada vez mais evidente, enquanto o clima de desarrumação corre solto. Ele pensa que é Trump, mas não é; nem nós somos os Estados Unidos. Aliás, somos os estados desunidos.

São tapas diários, da ignorância de seres abjetos como Olavo de Carvalho e os filhos do presidente e alguns ministros, às decisões de outras esferas: STF liberado pra comprar lagostas, vinhos, iguarias, gastar mais de um milhão de reais nisso. A Câmara acaba de liberar passaporte diplomático para 404 filhos e cônjuges dos deputados.

Precisaremos falar muito sobre tudo isso.

Verdade seja dita. Por Marli Gonçalves

De quando em quando, ultimamente com uma frequência supersônica e apavorante, surgem palavras ou expressões que são pisadas, repisadas, espremidas, torturadas sem dó. Se elas vêm de outra língua ganham mais status por aqui, uma roupagem “empoderada” para adentrar nossos salões até que outras a substituam. A da vez é “fake news”, nada mais nem diferente do que falar e usar “notícia falsa”. No fundo só ajuda o mais novo esporte nacional: brigar por ideologias, estas sim, falsas até o último fio de cabelo.

Mas o problema que enfrentamos de verdade são as notícias verdadeiras, que acabam escamoteadas em discussões estéreis, superficiais, insufladas por vários lados muitas vezes de forma tão irresponsável que admira não haver consequências legais e elas seguirem compartilhadas por milhares de parvos e autômatos seguidores.

Como se não se dessem conta de que vivemos no momento uma das mais graves crises institucionais e éticas que o Brasil já passou, com o rompimento dos liames entre todos os Poderes e de todos os poderes e instituições com o povo. Seus representantes máximos brigam entre si publicamente mais do que gato e rato. Declarações estapafúrdias se sucedem, e mesmo discursos cheios de razão e palavras bonitas visivelmente surgem como flechas com endereço certo, nem precisa ser muito atento para perceber isso. Já não há mais qualquer liturgia, tanto no cargo como entre todas as partes que deviam render algum respeito ou consideração.

Parece que está mesmo difícil se dar conta de que temporadas e situações como essa não costumam ter finais felizes, porque são roteiros voláteis. Os dias passam e apenas as indisposições recrudescem.

Não há graça nenhuma. Exceto, claro, num caso com uma pitada de humor surreal em nosso vatapá, o da deputada que ia virar ministra, Cristiane Brasil, que nos presenteou com aquele inacreditável vídeo feito al mare. Se todos nós não tivéssemos visto e revisto diríamos que aquilo ali só poderia ser notícia falsa, montagem, sacanagem de alguém. Ladeada por quatro marmanjos de óculos escuros e peitos desnudos cuidadosamente depilados, que até agora ninguém sabe exatamente quem são, a ministra-que-não-é desfila, ao se defender, um rosário tal de sandices que só pioraram ainda mais a situação. Nada me tira da cabeça que os quatro amigos homens que ela juntou eram apenas uma tentativa de demonstrar que não seria verdade o que à boca pequena e largos passos virtuais se fofoca por aí nesse preconceituoso país machista e sexista. Que ela teria mudado suas preferências sexuais.

Virou a loucura da loucura, onde ninguém mais vai ter paz num país onde um ministro do mais alto tribunal de Justiça, dentro de um avião, seja xingado de um tudo e achincalhado. E isso seja aplaudido nas redes sociais! Deselegância que vem vindo cada vez mais séria na polarização política que deverá se agravar ainda mais em ano eleitoral.

Ninguém precisa de notícias falsas em um tempo com tantas notícias bem reais. Seguindo nessa toada o que ficará inviável e incompatível será manter a sanidade e contas nas redes sociais, usar mecanismos como Whatsapp e outros.

Será inviável retomarmos algum caminho em paz.

Não só por causa de notícias falsas, que sempre existiram com seu nome em bom português, mas por causa das pessoas falsas ocultas atrás de teclados. E dos que andam apontando as câmeras de seus celulares não para denunciar os malfeitos, mas para executá-los. Fazem isso sem remorsos, com os celulares em pé, de lado, ou mesmo deitadinhos em seus berços esplêndidos como tanto insistem.

Verdade seja dita. Verdade sempre aparece. Pode ser passageira. Pode ser só meia.

E a verdade também pode ser só um jogo de espelhos para esconder o que tanto se mentiu.

_____________________    ____________________

Marli Gonçalves, jornalista – e a tal pós-verdade, como fica?

marligo@uol.com.br
marli@brickmann.com.br

Fevereiro, 2018, país do Carnaval

ARTIGO – Nossa sociedade trans. Por Marli Gonçalves

pwave02Tudo é trans.Transtornado. Uma coisa que é uma coisa e se transmuta em outra sem nem piscar os olhos. Transformações nem sempre transparentes, muito menos translúcidas.pwave02

Em geral, transado, mas também pode não ser sexo, apenas transpassá-lo. Assim, nada é exatamente trançado ou transado, mas transita nos deixando é muito confusos. A gordura trans, a renegada, abolida, desprezada. Os transexuais que agora estão se dividindo em ainda mais outras novas definições que acabarão por usar o alfabeto inteiro para se definirem, além do LGBTS. Já descobri que há definições como mulher transexual, trans, ou transmulher. Me fazem lembrar de experimentos biológicos que fazíamos em laboratórios de escola, quando vivíamos seccionando coisas para ver se viravam outras. Não dá só para ser? Tem de definir?

Nunca entendi qual o problema de simplificar, ao invés de complicar, o que parece feito apenas para parecer mais importante. Tudo surge como politicamente correto, mas serve também para excluir. Transferimos às palavras toda sorte de definições. Elas, as palavras, coitadinhas, andam por aí atônitas transitando entre um ou outro significado.

Circular.Polarization.Circularly.Polarized.Light_Right.Handed.Animation.305x190.255ColorsTem muita coisa atravessada em nossas gargantas, só que nessa época de eleições elas afloram nas mais diferentes ideologias, se é que podemos chamar assim, porque pelo que acompanho daqui não chegam a ser exatamente um conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou de visões. Ou são de alguma ideologia diferente, Frankenstein, que ainda desconhecemos. São xingamentos, opiniões não embasadas, ouvi dizer por aí, mas tudo cheio de sentimentos, racionais ou não, mas sentimentos. Fora as mais tresloucadas, isso sim, teorias conspiratórias, lendas urbanas.

O problema é que muitas vezes – e estamos assistindo agora – o momento ultrapassa qualquer possibilidade de se instituir bom senso, debater com propriedade, já que se depende de poder transitar na sociedade e com um mínimo de racionalidade.transversos

Vínhamos até vindo muito bem com uma tal polarização, de nós contra “eles”. Mas caiu um avião e surgiu mais um elemento que ultrapassou a realidade e sem transgredir qualquer mínima capacidade de previsão. Como uma onda que leva todos do navio para um lado só, quase virando-o, esse transatlântico chamado Brasil. O marinheiro de olhos azuis que era subordinado a uma caboquinha na busca por uma promoção saiu de cena e o timão foi parar nas mãos de quem até ali – muito louco – segurava – e todo mundo via – o marinheiro na cabine, dizendo isso pode isso não pode.

Ela é lenta, devagar, quase parando, tem ideias pessoais que se levadas a sério chegam a ser ridículas, mas promete com aquele olhar devotado e voltado ao céu que transcenderá. A nós resta o quê? Um país alquebrado, em crise recessiva – que ainda teimam em negar, não sei como podem querer transparecer tranquilidade – e com tanta coisa a ser construída, especialmente na área de comportamento. Santa temeridade.

As principais opções: a do grupo que não fez, mas bate no peito; a do grupo que já fez, mas parou e agora nem toca em assuntos que nos são tão sensíveis; e a tal novidade que, em si, vem carregada de messianismo, dogmas e que, se continuar crescendo, devemos nós apelar aos Deuses. Para que ao menos se cerque de gente moderna. Que consigam fazer com que ela não seja apenas uma espinha entalada transversalmente. Senão nossa juventude vai ficar ainda mais transviada, tocando flauta transversal, transpondo seus próprios limites muito antes do Rio São Francisco.emwaveanim

Não podemos transigir disso nesse momento de transição. Sob o risco de não conseguir transpor, sim, mas as nossas próprias barreiras. Senão teremos todos de sair por aí novamente propondo transgressões.

São Paulo, com possibilidades transamazônicas à frente, 2014Twave

Marli Gonçalves é jornalista – Transpira otimismo. Vive nessa sociedade que fica batendo cabeça, buscando algum viés para se escorar.

********************************************************************
E-mails:
marli@brickmann.com.br
marligo@uol.com.br

ARTIGO – Eu quero uma pra viver. Por Marli Gonçalves

paraquedas.gif3Andando por ai, tentando me livrar de uma tristezelda que rondava e queria pegar meu calcanhar, encontrei uma passeata. No meio do caminho tinha uma passeata, tinha uma passeata no meio do caminho. Isso agora é comum por aqui, e com as mais variadas reivindicações. A que vi era de jovens felizes pedindo de um tudo, cantando e dançando, sem tanta polícia, na santa paz. Me lembraram Cazuza.

Avenida Paulista. Era feriado e São Paulo entregue a uma tarde modorrenta, tipo sabe como? Tipo – esse tipo aqui é tipo assim imitando a linguagem desses meninos que estão sentindo a ave piar, mas não sabem onde – tudo corria bem normal, até na ciclovia improvisada destes dias. De repente eles apareceram à minha frente – um bloquinho de umas 400 pessoas meio que organizadas e divididas em quatro ou cinco colunas, alas, duas à frente do carro de som, outras seguindo atrás, onde ao fim traziam uma imensa bandeira, daquelas que precisa de um monte de gente pra carregar. Me lembraram o Brasil.mz_4699144_bodyshot_175x233

Parei para ver a banda passar já que estava à toa na vida. Todos muito jovens, muito cabeludos, as meninas e os meninos; de todos os jeitos, lembro de muito xadrez, muita tatuagem, muito jeans, muito vermelho, algum amarfanhado, inclusive nas bandeiras. Alguns cobriam o rosto, mas mais por charme do amarrado de um lenço de marca: “Levante Popular”. Havia bandeiras de todas as cores, verde e amarelas, lilázes, faixas pintadas. Coloriram rapidamente o asfalto, fechando a avenida. Me lembraram os Doces Bárbaros.

Animated_jesus_sermon_hg_whtTodos me pareceram do bem. Podiam até estar equivocados, mas eram do bem. Pediam liberdade, mas usavam camisetas do Che, carregavam fotos do Chávez e do Maduro da Venezuela. Falavam em Constituinte, em socialismo, em libertar a América do Sul, e me fizeram lembrar de Belchior. Entendi que para eles importava o mover, o Levante, levante popular, o nome do grupo, como me pareceu, sob o comando de um líder ao megafone. Importava o pedir, e eles usavam novas rimas. Paravam, dançavam, pulavam. Me lembraram as marchas evangélicas.

Inclusive, chamou minha atenção o número de bandeiras do Movimento dos Sem Terra e sem Teto, sem alguma coisa. Haverá uma lojinha onde se compram adereços de protesto? Porque os que as carregavam não o eram, não me pareceram nem sem teto, nem sem terra. Me lembraram da amargura de Gonzaguinha.

Sei que pediam de um tudo, porque os vi passar, cada qual também com sua palavra de ordem particular. Sob o som da bateria, me lembraram de uma escola, de samba, mas também da Educação, um dos seus temas.

Me emocionaram e, de verdade, umas teimosas correram pelo rosto. Também quero. Queria achar, mais do que uma turma para fechar a Avenida Paulista, uma ideologia para chamar de minha, porque as que eu tinha minguaram. Senti essa falta. Fui pra política, estive na fundação do PT, deu no que deu, pensei na guerrilha, deu no que deu, larguei, voltei-me para o rock, para o feminismo, para a libertação sexual. Deu no que deu. Depois, para a ecologia. Deu no que deu. Hoje milito num campo perigosamente minado, de jornalismo, mas minado porque preciso andar em ziguezague – ora rezo com a esquerda, outras, me alinho ao centro; e os opositores, pobres de espírito, acusam como direita.005381223_jesus_animated

Nada está completo para uma devoção, para uma entrega, para uma torcida. Nem de lá nem de cá. É solitário e desolador ver o nível de desentendimento das coisas, mesmo as mínimas, aquelas que deveriam juntar todos nós.

Quero uma ideologia particular, e acabarei qualquer hora criando uma, se já não estou há muito tempo tentando. Porque ideologia só cresce na argumentação, que arregimenta e fortalece até virar mais comum e aceita. Escrevo e te conto o que penso – quem sabe você também está por perto esperando uma passeata.

Mas ela, a ideologia, precisa, antes, nascer. Para que a gente possa por ela se apaixonar e criá-la para que fique forte. Já comprei binóculo, procuro lunetas e até agora ainda não as vi no horizonte. Com lupa, nas letras que leio, também não.

E eu quero uma para viver. Adoraria poder cantar e dançar por ela.

São Paulo, 2014gifjornaleiroMarli Gonçalves é jornalista Entrando no inferno astral, pensando em trocar de pele, tipo a de cobra pela do jacaré. Porque a gente vai precisar de ter a casca dura.

Filmei alguns minutos. Procura no YouTube. Meu canal chama jornalista.marligo.

ou AQUI

********************************************************************
E-mails:
marli@brickmann.com.br
marligo@uol.com.br

Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no https://marligo.wordpress.com. Estou no Facebook. E no Twitter
@Marligo