ARTIGO – Não tô bege e Madonna para dar e vender. Por Marli Gonçalves

Tudo bege, tudo nude, tudo nada. Tudo neutro. Mais uma vez uma onda para todo mundo parecer nada, e o “nada” tentando parecer como chique. Uma irritante tendência de neutralidade quando o que mais precisamos é de cores, significados, criatividade, personalidade, opinião, protestos, fazer alguma diferença.

bege

No meio de tantas tragédias, como a das destruidoras enchentes que assistimos no Sul do país e as outras tantas de nosso cotidiano nacional, imaginem o quão difícil é escrever sobre outros temas mais, digamos, diferentes. Mas de longe, individualmente – a não ser expressar total solidariedade e preocupação – pouco se pode fazer a não ser lamentar como tragédias anunciadas vão e vem, também em ondas, e pouco se age sobre elas, para evitá-las, no meio tempo. As grandes mudanças climáticas berram na porta do planeta.

É preciso agir, opinião. Mas o mundo, do meu ponto de vista, está tentando ficar bege, seguindo a moda que invade as vitrines e ruas e que transformará, se sucesso tiver, todo mundo em robôs amorfos, sem cor, sem luz, neutros, quase transparentes, sem graça. Tudo vendido como moderno, natural, sofisticado, sereno, como se esse momento do século fosse tudo isso. Pudesse ser assim. Bom se o nude fossem corpos nus, realmente livres.

Tô bege. A expressão, usada para exprimir surpresa ou ficar admirado por algo, sempre me pareceu estranha. Melhor seria outra cor. Um rubor, mais para o vermelho. Imposta pela indústria como “o novo branco”, ou “novo preto”, o bege é o novo nada, em suas variações de nada. Nesses dias de absoluta apoteose pela apresentação de Madonna nas areias de Copacabana, de bege por lá – espera-se – o mais próximo vai ser a areia. Lembrando que o dourado não é bege, claro, porque brilhos ali não faltarão, e o pop de sua rainha é todo bem colorido em figurinos, shows e luzes. Em propostas.

O Brasil, de um lado penalizado pela destruição especialmente no Rio Grande do Sul, de outro está mesmo alucinado com a apresentação espetacular de Madonna no Rio de Janeiro, praticamente dividindo o noticiário em todos os setores, além do musical, o econômico, social, turístico. Madonna para dar e vender, grátis para a população que acredita mesmo nisso, patrocinada por apoio de governo (e pinceladas eleitorais) e por um grande banco, e bem aproveitada para seus grandes negócios, inclusive no Hotel Copacabana Palace onde a trupe está hospedada, com estrangeiros fechando ali seus gordos negócios.

O bom é que nosso criativo povo também está fazendo a festa, e essa é bem colorida, com o turismo, ganhando algum com a venda de todo o tipo de objetos, com destaque para o uso das cores do arco-íris, nas bandeiras, nos “flaps” dos enormes leques, e mostrando a nossa verdadeira face e diversidade racial e de gênero em apresentações performáticas de todas as idades, afinal a musa comemora aqui o final de sua turnê de 40 anos de uma carreira gloriosa onde sempre esteve adiante do tempo e dos principais temas polêmicos dos quais nunca se esquivou. Ao contrário, os apresentou e garantiu inclusive que ela, hoje aos 65 anos, seja também um ícone contra o etarismo árduo e especialmente enfrentado por todas as mulheres. Nascida em 1958, assim como eu, sobrevivendo como camaleoa, e como diz a propaganda, ainda, pelos próximos 100 anos.

Saracoteando na cabeça dos beges. Dos neutros.

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marli goMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Influenciadores e influenciados. Por Marli Gonçalves

Influenciadores, influenciadoras, influencers. São notícia todos os dias. Para o bem e para o mal. Virou quase uma praga: cuidado que você pode ir tomar banho e encontrar um deles dentro do seu box indicando algum shampoo ou sabonete. Olhou no espelho? Repara que deve ter alguma por perto mostrando um creminho que faz maravilhas. Abriu o armário? Pronto: olha a tendência, com forte acento no ê.

influenciadores

Os influenciadores, influencers, são um fenômeno impressionante dos últimos anos de redes sociais digitais e que a cada dia se amplia em todos os aspectos da vida. Não tem como escapar, embora cada pessoa, parece, tenha os seus, de “estimação”. A cada dia surgem outros, em todos os cantos, em todos os assuntos. Nomes alçados a celebridades e que a gente nunca ouviria falar até que apareçam. Ultimamente, inclusive, nas páginas policiais quando maravilhados com ganhos incríveis se atolam em crimes, como jogos de azar, rifas falsas, golpes amorosos.

Uma nova categoria humana, baseada sempre em números, de seguidores, curtidas, apoio de empresas, vida pessoal mostrada como reality, dancinhas. Se espalham atraindo e reunindo pessoas em torno delas, em geral tudo iniciado com um golpe de sorte, alguma viralização, esse cavalo bravo que ninguém sabe bem exatamente de onde vem, como se monta ou como se doma.

Muitos já são conhecidos, como artistas, jornalistas, cozinheiros, BBBs e quetais, mas uma grande parte dos que ouvimos falar surgem quase que do nada. Pior é quando sabemos que existiam só quando morrem ou se metem em alguma encrenca, o que anda sendo bem comum.

Você tem algum de estimação? Quem é que o influencia? Influência é poder, e o poder sempre pode ser muito perigoso, principalmente quando descamba para a política, para ser dono de alguma verdade, como vimos muito por aqui nos últimos tempos causando controvérsias e crises com a disseminação de mentiras, como as da questão das vacinas e que tantas vítimas ainda podem estar causando.

Muitos mostram mundos irreais, para a maioria inacessíveis vidas de luxo. Em qualquer evento é comum encontrar alguns e algumas carregando consigo a tiracolo assessores e fotógrafos para que se registrem como se naturais fossem atos absolutamente programados. Pagos. Amo, inclusive, a nova expressão incorporada: “recebidinhos”. Presentes, brindes, etc. que amealham com os números que exibem em posts regiamente pagos, que juram ser de produtos que realmente usam.

Já surgem influencers de tudo. Assim como na internet onde se acha qualquer coisa, esse impressionante tudo. Basta procurar. Você acha; e vai encontrar também alguém especialista que procurará nortear seu entendimento sobre o assunto, por mais local e restrito que seja. Uma forma de comunicação que merece a atenção e uma análise mais aprofundada porque acabam se tornando veículos de transformação, seguidos por legiões.

Não consigo, no entanto, deixar de lembrar, pensar e associar perigos nos influenciadores e suas “flautas” ao incrível e triste conto dos Irmãos Grimm, sobre a lenda do estranho flautista que surgiu na Alemanha, Cidade de Hamelin, em 1284, e que mais precisamente em 26 de junho daquele ano teria sumido com 130 crianças que o teriam seguido hipnotizados pelo som da flauta, pela floresta, de onde nunca mais apareceram. O homem, assim, se vingava da cidade onde havia sido contratado para acabar com uma infestação de ratos que a tudo destruía. O flautista assim o fez, mas como não quiseram lhe pagar o combinado pelo serviço, usou o mesmo estratagema com as crianças, aproveitando quando todos estavam na igreja. Teriam sobrado, segundo a mesma lenda, apenas três crianças: uma era surda e não ouviu a música, outra era cega e não conseguiu ver para onde todas iam; uma terceira, com problemas nas pernas não teria conseguido acompanhar a turma.

Há muitas versões, inclusive de como houve mesmo uma inspiração real para os Irmãos Grimm escreverem muitos séculos depois o famoso conto sobre essa terrível história. As crianças poderiam ter morrido com a peste negra, transmitida por ratos, e o flautista seria apenas a personificação da morte. Com a extrema pobreza, há outras versões, inclusive a de que as crianças teriam sido mandadas embora pelas suas próprias famílias, para que fugissem da fome. A mais terrível: o flautista poderia ter sido um pedófilo. Como a lenda persiste até hoje, a rua onde as crianças teriam sido vistas pela última vez é chamada Bungelosenstrasse (rua sem barulho). Leva esse nome por que ali ainda seria proibido tocar música ou dançar.

Daí lembrar que é sempre bom ver e ouvir com atenção que apito tocam os influencers que seguimos encantados.

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MARLI GONÇALVES Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br