ARTIGO – Azáfama. Por Marli Gonçalves

Azáfama, não é linda a palavra? Sonora? Você ouve e logo até já se põe em movimento. Lembro muito dela aos finais de ano, quando a humanidade parece entrar no estágio do “corre”, para fazer tudo o que não fez os outros meses.

AZÁFAMA

Tudo vira urgência, afinal agora faltam poucos dias para virar o ano, todo mundo já de cabeça virada pensando em Natal, Ano Novo, viagens, verão, férias, essas coisas, que inclusive diminuem os dias, digamos, úteis, deste mês de dezembro. Parece que alguém lá de cima estalou o dedo e as pessoas imediatamente se põem a pensar, correr, e daí vem um estresse danado. Como se não bastasse o normal do dia a dia, as coisas se aceleram, atropelam. São atropeladas.

A lista é grande, em geral de coisas que lá no começo do ano a gente se prometeu fazer e se dá conta só agora que não fez, não realizou, ou até esqueceu, mas acaba lembrando e isso é bem chato. Mais chato ainda é quando ainda por cima se é a vítima da azáfama dos outros, que viram suas baterias contra nós exigindo que façamos em azáfama o que poderia ter sido feito muito tranquilamente antes – e isso é bem comum, jogar a lista para a frente. Se prepara! Dezembro chegou, e passou tudo tão rápido que vai ter quem repare que o ano praticamente já acabou só a partir de hoje, de agora, da chegada do mês que já vem sendo anunciado por enfeites, luzinhas espalhadas em janelas, árvores de Natal, 25 de Março em polvorosa, ou melhor, na azáfama. Tô falando: tem palavra melhor para definir essa época?

O sentido dela pode ser bom ou mau, dependendo de como levamos a vida; tem o lado da pressa, afobação, confusão, imprudência, açodamento que pode trazer problemas inclusive para os próximos tempos se não ficarmos atentos. O lado bom? Ao menos começar a caminhar na direção sonhada, mesmo que atrasado alguns meses.

Andei pensando que coincidentemente quase todas as vezes que me mudei de um lugar para outro foi em dezembro. Essa coisa de começar o ano com vida nova que a gente aprende desde que, inclusive, se entende por gente, vai sendo renovado pelas tradições. Todos os anos pensamos e passamos pela mesma coisa: que à zero hora do dia 1º do ano que chega tudo vai mudar, inclusive nosso próprio comportamento. Aí fazemos as tais promessas, planos, epifanias. Pior, logo descobrimos que em geral o que mudou mesmo foram só os números. Do ano, do mês, e sempre ganharemos – e se tudo correr bem, Oxalá! – inclusive mais um ano de vida. Ah, os números também mexem com as contas que sempre aumentam.

Mas, bem, você há de pensar, e eu vou concordar, que a azáfama tem vivido entre nós o tempo inteiro, não só agora. A de viver, sobreviver, e também a de aparecer, especialmente essa, tem tornado a vida uma aventura e tanto para um número cada vez maior de pessoas em busca de virar rico, celebridade, influencer ou se contentando até em ser sub tudo isso. Toda hora sabemos de alguém que despencou de um penhasco tirando uma selfie ou se estatelou num poste gravando algum vídeo. Uma loucura essa azáfama de se dar bem com pouco esforço que anda bem na moda.

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– MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Politicamente exposta, pessoa? Por Marli Gonçalves

Pessoa exposta politicamente, politicamente sensível? Pronto, era o que faltava criarem uma categoria a mais para ser privilegiada, uma casta superior de milhares de pessoas que poderiam, assim, tudo, inclusive obrigar bancos a sem resistências lhes conceder empréstimos; fora acessarem vagas de trabalho em órgãos públicos, seja como for. E ainda querem ser protegidos de críticas!

Politicamente exposta, pessoa?

Politicamente sensíveis e expostos – e à flor da pele – ficamos nós com tanta sacanagem sendo produzida lá no Congresso, na calada da noite e votada com desnecessária pressa e cabulosa urgência, ao som da lira. No mínimo combina, e não por menos arrumaram até uma sigla esquisita para tornar esse Projeto de Lei, na verdade um gigantesco insulto às leis, mais palatável e oculto: PEP. Mas não haverá para nós nenhum comprimido de PrEP (profilaxia pré-exposição) que permita ao nosso organismo se preparar contra mais essa infecção vinda da preocupante política nacional, no caso, o Legislativo. Quando achávamos que uma legislatura dificilmente poderia piorar, esta atual está mesmo surpreendente.

Mas como a contaminação parece geral nos Poderes, um surto, precisaremos ainda ficar muito atentos ao Senado Federal, onde essa loucura e ataque ao bom senso ainda poderá ser detida.

Se você, acaso, perdeu essa, vou tentar resumir. A deputada Dani Cunha (União Brasil – RJ), filhote do cassado e execrado Eduardo Cunha, ex-tudo, ex-deputado e ex-presidente da Câmara, apresentou no último 22 de maio, vejam só, essa indecorosa proposta, e que foi aprovada agora na Câmara, em regime de urgência, sem ter passado por nenhuma comissão, em duas horas, entre o início da discussão e a conclusão do mérito. Tanta coisa importante na fila durante anos e eles sentados em cima.

O relator da proposta, deputado Claudio Cajado (PP-BA), muito bonzinho, até tirou dali do texto umas lascas, para fazer parecer que a coisa era séria. Não está na versão aprovada pelo plenário o artigo que – acredite – punia com pena de dois a quatro anos e multa “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro, somente em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou que figure na posição de parte ré de processo judicial em curso ou por ter decisão de condenação sem trânsito em julgado proferida em seu desfavor“. Ou seja, eu não poderia criticá-los como faço agora– poderia pegar uma cana. Ainda bem que o pensamento ainda é livre.

Nada impede o que ficou de ser uma barbaridade. De acordo com o tal projeto, que recebeu 252 votos, com apoio de 80% do PT, entre outros santinhos, do total de 513 deputados, quem “discriminar” as pessoas politicamente expostas e seus apêndices pode até ser preso por um período que varia de dois a quatro anos. Definem como discriminação a recusa dos bancos ou instituições financeiras em abrir contas para as tais pessoas politicamente expostas, políticos denunciados ou condenados em primeira e segunda instância cujos processos não tenham transitado em julgado. E suas gerações.

Ah, você quer saber quem são todas essas sensíveis pessoas? Além de sócios dos próprios, a tal lei define: políticos de todas as esferas, ministros do Poder Judiciário, nomeados para cargos comissionados, procurador-geral da República, integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU), entre outros, veja bem. O projeto também alcança pessoas jurídicas das quais participam pessoas politicamente expostas, além de familiares e “estreitos colaboradores”. Ou seja, os sócios, familiares, os parentes, na linha direta, até o segundo grau, o cônjuge, o companheiro, a companheira, o enteado e a enteada. Nove mil pessoas mais milhares de agregados, conforme os cálculos.

Uma ode à corrupção, à lavagem de dinheiro, aos laranjas, ao descontrole geral. Já viram bancos serem presos? E pagarem multas? Em caso de negativa ao grupo de belezinhas, as instituições financeiras deverão, em cinco dias úteis, enviar um documento ao solicitante do serviço explicando os motivos de ter negado o pedido de abertura e manutenção de conta ou concessão de crédito, sob pena de multa diária de R$ 10 mil e pena de 2 a 4 anos. Já pensaram no texto desta cartinha? “Você foi vetado porque é _________________. Aguardamos ser presos. Atenciosamente”.

Nunca imaginei que um dia sairia em defesa de bancos. Até nisso a política nacional inova.

Você aí, que não é politicamente sensível, só mais um brasileiro exposto à realidade, já deve ter precisado pedir algo, como um empréstimo. Nem me diga. Faltou baixar as calças para conseguir? Montanha de documentos e avais, pesquisas de seu nome até no fundo do poço, escarafuncham sua existência. Se não paga hipotecam sua alma. Às vezes nem resposta recebe.

Ah, amigo, amiga, vai ser político na vida!

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

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___foto: @catherinekrulik________________________________________