ARTIGO – Dependência. Por Marli Gonçalves

200 anos de Independência do Brasil. Do Brasil. Mas e a dos brasileiros? Mais do que uma pendência, ou várias nesse sentido, ano após ano, nossa dependência aumenta, e de todas, várias formas, muito além da política, de gritos, da alternativa Independência ou Morte!

dependency theory Archives - Progress in Political Economy (PPE)

Lá vem mais uma vez um 7 de Setembro, só que de novo ao invés de podermos pensar em comemorações, conhecimento da história do país, festejos da data redonda e até na reabertura do Museu do Ipiranga, ainda também teremos de nos preocupar com os ataques à democracia vindos de uma parcela que parece tomou conta, se apossou, do verde e amarelo.  Ele se preparam para levar às ruas seu ódio, fanatismo, ameaças, além de fumacentos desfiles militares, intermináveis continências. Que tédio.

Sem sossego, e esse é só mais um momento. Estamos sempre na dependência do que vai ou poderá acontecer, seja nessa data, ou em outras significativas, como as eleições, primeiro, segundo turno. Dias tensos, atentos.

O pior é que delas, das datas, sejam cívicas ou religiosas, sempre resta algum traço de necessidade. Visitando a história nacional, então, pior, sentimos que tudo pode acontecer e a qualquer momento, como inclusive já ocorreu em diversos períodos. E esse medo nos torna ainda mais dependentes do que já o somos.

Dependentes de atos e programas de governo, cada vez mais de auxílios econômicos, fixos ou emergenciais, das decisões sobre programas sociais, sua manutenção, até do controle de preços e da proteção aos direitos duramente conquistados, de tanta coisa vinda de cima, quem realmente pode pensar livremente?

Quantos e quem são os “livres”, que não devem nem precisam de nada, nem devem obediência, sujeição ou subordinação? Não dependem de nada? Não precisam de ter ao menos algum medo, algum temor? De serem julgados sem Justiça, de perder trabalho, casa, família, amigos, condições mínimas, liberdades, possibilidades?

Quantos podem realmente se dar ao luxo do total livre pensar? Melhor, livre dizer, que agora até a liberdade de expressão anda virando falácia?

Pensar até pode. Que por enquanto isso ainda está livre, gracias. Mas quantas vezes ao dia me pego, por exemplo, no que chamo “pensando pra dentro”?  Não comentando, dizendo exatamente o que penso, acho, sobre alguma conversa ou fato? Difícil admitir, mas é verdade, e boa precaução, saudável, inclusive em um momento tão polarizado de todas as formas e que ainda não conseguimos localizar claramente quem realmente são os inimigos, quais serão as consequências dessas batalhas.

A tal dependência de muitos, no caso atual de algum mito, insisto, seja lá de qual lado/direção for, tem tornado difíceis conversas sinceras até sobre assuntos antes triviais, banais e comuns, tantos atarracados nessas idolatrias, que parecem vir acompanhadas de fechados manuais de instrução. Como drogados, dependentes – não das informações reais – mas do que ouviu falar por aí, e que saem repetindo tais como papagaios. Em vários instantes, creio, melhor não polemizar. Mais uma vez, vai saber onde uma discussão boba pode levar. Como aprendi, e que um amigo sempre lembra ter lido em um coletivo em Israel: qual vantagem conversar com o motorista?

Já vivi bastante para ver. Vários momentos nessas últimas décadas. Na maturidade, sei bem o quanto me custou buscar ser livre, agir, e ter pensamento original, e o quanto isso já provocou reações e insídias dos que não conseguem aceitar, experimentar ou conhecer o minimamente diferente.

Não é medo, que para chegar ao hoje, enfrentando de um tudo, muitos tiveram de superar e o fazem todos os dias. Chama cautela e cuidado com a saúde mental. Inclusive porque a paciência, essa sim, está bem esgotada, e o tempo urge para ser perdido com o que/quem não preza a real independência, um valioso bem para o qual todos deveriam estar voltados em suas buscas. Livres, de verdade, sem ter ou causar problemas a não ser a nós mesmos.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Precaução, caldo de galinha e bola nas costas. Por Marli Gonçalves

voleurbroke_man_with_empty_pockets_md_clrPelas ruas veremos grupos de atônitos estrangeiros, andando com uma corda amarrada entre si ou de mãos dadas. Talvez com capacetes, uma roupa isolante, coletes à prova de bala, um escafandro? Luvas nas mãos. O álcool em gel numa moringa presa ao pescoço. Só gostaria de fazer uma pergunta, depois de ler atentamente as recomendações que os governos de vários países estão dando aos incautos que vierem à Copa do Mundo

Você viria?

Vou fazer um resumo das recomendações dadas pelos gringos aos gringos que se atreverem a chegar nesse país aborígine, cheio de macacos, bananas e perigos insondáveis: não compre camisinhas por aqui; aliás, nem remédios, porque devem ser falsificados. Não leve prostitutas ou prostitutos para o hotel, que pode ser perigoso. Não diga! Não se hospede em andar baixo, tipo primeiro andar, de lugar nenhum. Não desgrude o olho de sua bebida, para não virar, literalmente, Cinderela, e ainda porque do jeito que as coisas estão caras seus bons drinques valerão ouro durante a Copa. Cuida do dinheiro, cabeça, corpo, membros (todos!), cartões de crédito, chinelos, bonés e óculos de sol. Não bebam água. Não encostem o bumbum na privada.

voleurAndem sempre em grupos, e cada um de vocês carregue sempre duas bolsas – uma é para o inevitável ladrão. Ah, também há o risco de raptos e sequestros e, saiba, gringo, que os criminosos daqui são violentos, surpresa! Não deixe nada à mostra, nem câmeras, nem relógios, nem joias. Nem mostre a pele, porque talvez achem que nós, brasileiros, somos todos meio tarados. E somos.

Tranque as portas e as janelas. Como somos meio símios costumamos escalar grandes alturas sem problemas.

girl_cop_chasing_thiefNão participe de protestos, manifestações. Tem muita gente e é perigoso. Inclusive, se puder evitar ir aos estádios, evite logo – lá também vai ter muita gente e pode sair confusão. Sabe como é, né? Um monte de estrangeiros de nações que se odeiam… Uma dica: carregue outra moringa pendurada no pescoço, com vinagre, que a nossa violenta polícia costuma usar gases para conter tumultos. Mas isso também pode ser útil depois de vocês comerem nossa feijoada, ou uma moqueca quente. Riscar o fósforo também ajuda.

Só peguem táxis, e que estejam na porta dos hotéis. Não perguntem, não se façam de bobos, não mostrem que são de fora – um perigo andar de bobeira nas ruas. Nós, os brasileiros, podemos atacar a qualquer momento. Não relaxem! Olha a cobra!Travel_purse

Não relaxem com sua bolsas, malas, malinhas, frasqueiras, nem com suas mulheres, namorados, bofes ou assemelhados – brasileiros são meio priápicos e podem sumir com eles para alguma praia da Bahia, tipo Trancoso, onde várias e vários desses espécimes perdidos podem ser encontrados depois dando muito para os pescadores. Assim, repetimos, não peçam ajuda. Pode aparecer alguém a fim de dar.Tourist

“Ladrões” brasileiros em hotéis e restaurantes, os batedores de carteira, as estradas de má qualidade, o transporte público clandestino, o trânsito pesado, entre outras coisas, alguns dos alertas que os estrangeiros que virão de países que até agora eu considerava mais civilizados receberam; tipo Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha. Como se eles não tivessem problemas.

Outra coisa que está nesses alertas: nós, brasileiros, costumamos roubar o troco, tiramos pirulitos de crianças, roubamos a bola no meio do jogo, passamos a perna em vocês e empinamos papagaios.

journaux011E os outros perigos? Só de dengue, temos quatro tipos em franca circulação. Temos frieiras, chulé, sarampo, catapora, gripe, coceiras em geral, como sarnas. Assim, cuidado com nossos cachorros, gatos, aves, e – não esqueçam – macacos! Quer saber mais? Melhor esquecer os jogos realizados em Manaus. Lá é muito quente e perto da floresta de onde podem surgir até uns bois da cara preta que não gostam de gente de fora. Isso, claro, sem contar com os índios ainda não contatados que poderão querer contatar justo agora.

Quer saber? Melhor desistir de ir pro Rio também. Não vai ser bom andar na praia, nem visitar pontos turísticos e muito menos fazer graça e ir sambar ou funkar nos morros e favelflasheras. Estrangeiros: decorem essas letras, CV e PCC; suma onde elas estiverem marcadas. Enfim, pensando bem, também é melhor cortar São Paulo da lista. Tem uns manos por lá.

carnaval14Cuiabá é quente, a Bahia é lerda. Ceará? Antes de ir aos jogos verifique se o estádio está lá no local. Pernambuco? Atenção, tubarões e refinarias superfaturadas!

E os cremes? Protetor solar, desinfetante, repelentes. Mosquiteiros! Não tente comprar drogas – elas podem estar malhadas. Prefira vendê-las, talvez lucre mais.

royalty-free-robber-clipart-illustration-1088419Enfim, que povo horrível somos nós! Mordemos, roubamos, mastigamos, fornicamos, envenenamos. Ultimamente também amarramos em postes e soltamos buscapés. A própria FIFA, oficialmente, alertou que, entre outras coisas, não cumprimos horários, gostamos de apertar e chegar bem perto, bem suados, beijamos muuuuuuuito. Comemos muita carne nos rodízios, falamos português, não gostamos que nos confundam com argentinos, furamos fila, e a mulherada dá mole, mas não é bem assim.

Mas um dos alertas que fizeram é realmente importante: “No Brasil, as coisas são geralmente feitas no último minuto e, se existe alguma coisa que todos os turistas devem se lembrar, é: não perca a paciência e mantenha os nervos calmos (…) (…) a filosofia de vida dos brasileiros pode ser resumida com a seguinte frase: “relaxa e aproveita” (“relax and enjoy”)”. Uma ode à nossa Marta Suplicy. Mas notem bem: só se vocês, gringos, trouxerem as camisinhas…

Deixamos mesmo tudo para a última hora. Inclusive, para compensar o nosso complexo de vira-latas, só mesmo ganhando essa Copa na última hora. Para poder responder em alto e bom tom para quem chegar se achando por cima da carne seca, com graça para o nosso lado: precaução e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

Tomem bastante Chicken broth, De bouillon de poulet, Hühnerbrühe, Caldo de pollo.

São Paulo, onde fica o Itaquerão, e onde começará o show/dramatourist_kameraMarli Gonçalves é jornalista Nem eu sabia que o Brasil era tão ruim assim. Já pensou se os estrangeiros souberem mesmo como as coisas se passam por aqui? Alguém avisa para eles que também vai ter muito mais gente aqui do Terceiro Mundo?

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