ARTIGO – Pode vir quente, que estou fervendo. Por Marli Gonçalves

Todo assunto anda quente, literalmente quente, alguns mais do que outros, até com labaredas que queimam tudo por onde passam deixando um rastro de destruição e áreas que muitos de nós nem estaremos mais por aqui para nos certificar se houve tempo de dar um jeito. Se do nada, das cinzas, surgirá algo bom e renovado. Vocês sabem que a verdade é que até a fênix renascendo das cinzas é lenda, embora seja mesmo uma bela história.

vagalume

Juro. No meio desse fogaréu da onda de calor, da janela de meu apartamento, vi um vagalume noite passada. Esfreguei o olho, estiquei o que pude minha própria visão, pus óculos de longe, fiquei alguns minutos reparando se não estava vendo coisas. Não. Vi um vagalume. Um só. Ele volitava em torno de uma arvorezinha chinfrim, tadinha, onde vivem pondo lixo aos seus pés, e que eu já cansei de me indispor com o restaurante em frente por causa disso.

Árvore não é lixeira. Árvore não é lixeira! Será que agora depois desses últimos dias nos quais as árvores se rebelaram chacoalhadas pelos ventos fortes, caíram, às centenas, matando, levando fios, postes, derrubando muros, prendendo gente em casa, deixando milhões sem luz, e até sem água, alguém vai se tocar do quanto elas sofrem numa cidade como São Paulo? Temo que não, embora até esteja vendo reportagens na tevê enaltecendo a importância delas. Continuo minha campanha solitária repetindo Árvore não é lixeira.

O povo não percebe que o lixo – que enfiam nelas bem enfiadinho, mesmo que haja um outro lugar, como um poste, ao lado – mina a base, de muitas já atacadas pelos famigerados cupins, que ódio tenho deles.  O cachorrinho faz cocô, o tutor até cata com uma pazinha e cara de nojo, põe num saquinho de plástico (repara que sempre são bem coloridos), dá um nó e paf! Joga lá no pé da árvore, às vezes fica quase um arco-íris. Também tem quem as encha de pregos e cartazes, abrindo feridas. Isso quando as coitadas não têm ainda mais o azar de ter como vizinhos gente que acha que suas folhas sujam o chão, que atrapalha alguma manobra da garagem ou até mesmo a fachada do bar. Cansei de saber de malucos jogando óleo quente ao pé delas até conseguir que morram, assassinos. Não foi por menos que se rebelaram esses dias, como que combinando uma vingança. Sobrou para a concessionária de energia elétrica, a tal Enel. Sobrou para a cara de pau do prefeito que só pensa naquilo, a eleição do ano que vem.

(Parênteses: é tão descoordenada a ação da Prefeitura por aqui que no mesmo dia, temperatura de quase 38 graus à sombra, no qual uma criança de dois anos foi esquecida dentro da perua de transporte escolar de uma creche municipal e morreu, sem ser notada por ninguém, nem pela creche onde não chegou, uma tristeza enlouquecedora, na propaganda de noite o prefeito falava que “sempre há vagas nas creches da cidade, preparando o futuro de nossas crianças”). Pois é.

Mas vou voltar a falar do meu vagalume. Amo vagalumes e já há anos não via nenhum porque não tenho viajado, continuo aqui na urbanidade total onde só rolam baratas em série escapando dos bueiros. Aranhas! Não sei você, mas nos últimos tempos elas têm sido bem presentes e em todos os locais da casa, aquelas pequeninas pero perigosas, pretinhas (sim, são pretinhas) e as horrorosas, marrons. Não andam, pulam. Pulam e somem, não deixam para trás nem as teias. Fora isso, as abelhas sumindo e outro dia li uma matéria observando que nem os insetos antes comuns se esborracham mais nos para-brisas, nas estradas, como acontecia.

Estamos em completo desequilíbrio da natureza. Não é de hoje. Mas agora o povo tá acordando e dando nome para o perigo com o qual decididamente não sabemos e nem temos qualquer condição de lidar, despreparados todos para as consequências cada vez mais cruéis. São as pomposas mudanças climáticas, do qual estamos ouvindo falar com frequência, como se coisa nova fosse. Até o Ministério do Meio Ambiente ganhou mais letras na porta: agora é do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil. Aliás, não tenho visto muito a Marina Silva nesse meio tempo de horror, estranho. Não era ela quem devia estar cuidando desse preparo para o futuro sem que sejamos fritos pelo calor, ou afogados pelas enchentes, ou levados pelos ventos?

Nada está normal. Calor sempre tivemos, tudo bem, somos um patropi. Mas está insuportável aqui na selva de pedra, mais abafado, congestionado, irritante. Para descrevê-lo, se não o sente, vou ter de usar uma vivência que mulher nenhuma deseja nem para seu pior inimigo ou inimiga: a menopausa. Está sentindo muito calor? Incontrolável? Tá afogueado, suando de pingar, com os nervos à flor da pele? Pois bem: saiba que é assim que as mulheres se sentem durante um bom tempo quando entram na menopausa. É horrível. Assim mesmo. Não há ar condicionado que dê conta, muito menos os desregulados que gelam ossos, choque térmico total.

É ou não é para achar que foi algum sinal dos céus, uma luz, o que vi? Vi um vagalume. Vi sim.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

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vagalumes - calor - quente

ARTIGO – Barbie e a onda rosa chata-choque. Por Marli Gonçalves

Estou bem confusa com essa onda rosa do lançamento do filme Barbie, que nos encharca e busca trazer no rol de sua importância o empoderamento feminino para apaziguar – só pode ser – os interesses comerciais. Não, não vi o filme, nem é uma crítica a ele, mas à massacrante forma de massificação de momento de uma informação, de um produto que já já já vai estar passando na tevê, e outras ondas virão.

Susi, mais pobrinha…

Olhe ao seu redor. É cor de rosa-choque. Não provoque, diria Rita Lee. Tudo, vitrines, roupas, pessoas, cabelos, casas, exemplos, clones, sósias. E notícias. Chega a ser enjoativa a pressão para a aceitação atual da mocinha que, embora com mais de 60 anos não perdeu a forma, a cinturinha, o frescor da pele, a energia, não tem cólicas nem sofre com a menopausa como acontece às mulheres de pele e osso que talvez até um dia de suas infâncias tenham brincado com a boneca Barbie, desejado ser ela, assim, quando crescessem. Até andam tentando, com mil intervenções.

Antes, todas as bonecas eram personificações de bebês e crianças, para apenas desejarem ser mães, papel que ainda hoje é severamente imposto às mulheres. Barbie já era adulta quando nasceu, modelo, com seus seios firmes, pernas longas, intensa atividade social e até romântica quando inventaram o Ken, seu namorado plastilina. Chegou com vários cabelos, o armário recheado de roupas, os sapatinhos, a casa, os objetos, tudo que rapidamente virou o incrível e rentável Universo Barbie. Tudo rosa, tão rosa, a cor associada às mulheres, e ainda escolhida a mais intensa, o rosa-choque, cor criada em 1931 pela designer italiana Elsa Schiaparelli, magenta com poucas adições de branco.

Lá vem a magrela, seus vestidos, acessórios, tudo rosa e tudo muito caro para qualquer padrão e é assim desde o lançamento da Barbie, em 1959. No cinema agora, personificada literalmente e muito bem pela adorável e bela atriz Margot Robbie, o filme é um dos maiores golpes (no sentido de vendas) de marketing dos últimos tempos.  Mas incomoda a pressão para fazer descer pela goela que, além de tudo, Barbie é feminista. Desculpem, mas feminista não é, não foi, nem será. Ela é uma boneca. E, sendo assim, manipulável em tudo, atos e propostas.

A realidade é bem diferente. Até para a boneca que no filme um dia acorda alarmada com os seus pés no chão, retos, ao contrário daquele já moldado para os elegantes e variados sapatos de salto alto. Pressente que precisa ir ao mundo dos humanos dar uma olhada no que acontece e que a está transformando. Por aí, vai. Já pensaram se os brinquedos refletissem mesmo o que se passa no nosso mundo? As fábricas nem dariam conta, muito menos de acompanhar de verdade as vitórias feministas nessas décadas.

Bild Lilii, a boneca adulta alemã que foi inspiração para a Barbie

Barbie é realmente um fenômeno. Criada inspirada em uma boneca adulta feita, acreditem, para homens, a erótica alemã Bild Lilli, foi um sucesso estrondoso de vendas. Sempre envolta em críticas e polêmicas. Polêmicas que fizeram com que o seu fabricante ganhasse ainda mais ao desenvolver novos tipos de Barbies que ainda pipocam para a alegria dos colecionadores: pretas, profissionais da mais diversas áreas, não só loiras ou morenas, mais rechonchudas, baixinhas, por aí vai. Trocam suas roupas, mudam a cor do plástico. Já há Barbies com deficiência, adaptadas em cadeiras de rodas, yogis, maleáveis, e até já surgiu a Barbie trans. Fora as Barbies dedicadas a celebridades, e as muitas amigas da Barbie que foram aparecendo como coadjuvantes.

Susi, com i.

No Brasil, lembro bem quando em 1966 surgiu a sua “correspondente”, a Susi, mais barata, menos metida, com roupinhas mais simples, uma feição menos famélica. O namorado era o Beto, horroroso. Tive uma Susi. Até o nome Susi, assim, com i, mais simples. Se fosse com Y, creio, teria mais glamour. (Parênteses: sempre adorei o Y, com o qual achei que era o meu nome até os 17 anos quando descobri na certidão que havia sido registrada com “i”, Marli, e fiquei com medo de, aprovada no vestibular, não aceitassem minha inscrição com y, como meu pai sempre escreveu, nunca mudou,  até a sua morte, aos 98 anos. Já que sou Marli na vida, adoraria ser Marly, mas isso já é outra história).

Voltando à Susi, tadinha, viveu até 1985; Barbie decaiu, ela foi junto. Até voltou a ser relançada, anos depois, em 1997. Voltou mais magra, com peitos maiores e roupas mais chiques, mas nunca mais foi a mesma.

Enquanto isso, agora, vamos nadando no rosa-choque, nas fotos dos locais instagramáveis, no povo posando dentro de caixas gigantes da boneca. Pelo menos está engraçado. A Ana Maria Braga que apareceu toda de Barbie será uma imagem inesquecível. Até porque bem mais verdadeira como gente que passou mesmo por tudo nesses anos.

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MarliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

 marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

Menopausa: precisamos (muito) falar sobre isso

Há pouco recebi informações importantes. Entre elas, a de que o dia 18 de Outubro é dedicado à essa discussão.

Transcrevo aqui, para você saber que, inclusive, dia 18 estará disponível o filme documentários ainda inédito “Menopausas”, de Julieta Zarza.

Veja como saber, ver, participar:

OUTUBRO É O MÊS DA MENOPAUSA, SEGUNDO A OMS

No Brasil, algumas iniciativas visam desmistificar o tema, com destaque para a exibição do documentário Menopausas – liberado, gratuitamente, no Dia da Menopausa (18/10)

Na próxima terça-feira (18), será celebrado o Dia Mundial da Menopausa – data criada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que incentiva não apenas a discussão sobre o tema na ocasião, como também sugere que os impactos do fim do ciclo menstrual na saúde da mulher sejam debatidos ao longo de todo mês de outubro. 

O tema ainda é pouco discutido no Brasil, mas algumas ações importantes estão programadas, como a exibição do documentário “Menopausas”, da diretora Julieta Zarza, também criadora do Projeto Peripécias Menopáusicas.

Para marcar a data, o documentário será disponibilizado online por um período de apenas 24 horas, no dia 18/10. O link de acesso será previamente divulgado nos perfis de instagram @nopausa.br e @peripéciasmenopáusicas.

Portanto, da zero hora até a meia noite da próxima terça-feira, as pessoas poderão conferir as incríveis histórias coletadas pela diretora, que recebeu o diagnóstico de menopausa precoce, aos 37 anos de idade. “Optei pelo plural no título do filme, pois cada pessoa vive esse processo de maneira única, particular e incomparável”, explica Julieta.

Segundo ela, o principal objetivo do documentário é quebrar tabus e sair da visão encapsulada e hegemônica que paira sobre esse assunto. “O documentário tira das sombras um tema negligenciado e silenciado e o coloca em cima do palco”, garante. 

“Menopausas” apresenta seis experiências sobre o fim do ciclo reprodutivo, por meio de diferentes perspectivas de gênero, orientação sexual, idade e classe social. Além desses relatos, o curta-metragem traz o olhar de profissionais ligadas à área da saúde, como o da psicóloga e mulher trans, Fe Maidel, uma das criadoras da Associação Brasileira pela Saúde Integral de Travestis, Transexuais e Intersexo.

A disponibilização do documentário ao público no Dia Mundial da Menopausa acontece em parceria com organização latino-americana No Pausa, cuja missão é promover o diálogo, a geração de dados e de soluções para o bem-estar da mulher, tanto pessoal quanto profissional, durante a menopausa/climatério.

Com sede em Buenos Aires (Argentina) e representante em São Paulo, a No Pausa também atua junto às empresas dos setores público e privado que desejam adotar políticas internas de trabalho voltadas paras as suas colaboradoras na fase do climatério. Um estudo realizado pela organização com 1.500 entrevistadas revelou que mais de 90% das mulheres reconhecem o quanto o climatério prejudicou seu desempenho profissional, por mais que – naquele momento – 40% delas não associavam essas dificuldades à proximidade da menopausa, por ainda estarem menstruando.

“O desconhecimento acerca dos efeitos de quem está perto ou vivenciando a menopausa é um dos principais motivos do preconceito contra as mulheres mais velhas, resultando em etarismo”, afirma Bianca Doeler, coordenadora do No Pausa no Brasil.

Segundo o estudo, os sintomas do climatério que mais afetam a performance da mulher no trabalho foram: insônia, depressão, desânimo, falta de concentração, dores e outros. “Metade delas teve vergonha de falar sobre o assunto e, por isso, preferiram inventar uma desculpa quando faltavam ao trabalho do que contar o verdadeiro motivo a seus chefes”, lamenta Bianca.

Para ela, o documentário “Menopausas” é um excelente meio para abordar esse assunto, pois carrega a sensibilidade ideal sobre o climatério. “O filme intercala relatos potentes, em 1ª pessoa, com intervenções humorísticas. Essa combinação torna o tema mais leve, sem deixar sua complexidade de lado”, finaliza.

Serviço:

Documentário “Menopausas”

Disponível a partir das 0 hora, do dia 18 de outubro.

Link de acesso: será divulgado nos perfis @nopausa.br e @peripeciasmenopausicas

Fonte: assessoria de imprensa

 

ARTIGO – Contradições, resistências e rock n`roll

                                                                                                  Marli Gonçalves Sou a própria contradição, mas para quem vê e não sabe. Todo mundo tem direito a pelo menos uma contradição nessa vida; jogue pedras e cuspa rãs quem nunca as teve. Claro, elas devem ser moderadas, e, se possível, evolutivas, para melhor, mas não me venham com preconceitos e bobeiras

Mais uma semana ouvindo que o Bin Laden não morreu, que querem ver o corpinho com as barbas de molho, que o coitadinho, velhinho, estava desarmado, meu saco de paciência estoura. Aliás, ele – o meu saco de paciência – anda meio que mais no limite do que os cestos de lixo espalhados pela cidade, transbordantes, enfeites do descaso urbano pendurados em postes.

Não sei se os surtos vêm da água que bebem, mas tem gente sofrendo de crises infantis do tipo São Tomé, que só acreditam vendo, ou acometidos de gugudadá de muxoxo porque a sociedade civil pressiona e avança, acima da cabeça dos coronéis e pistoleiros e pistoleiras em cargos públicos, eleitos ou indicados pelos seus pares. A decisão tomada pela Supremo, por unanimidade, reconhecendo juridicamente a união de pessoas do mesmo sexo, nos dá certo alento. Algumas gotas pingam das torneiras da Razão.

Ninguém vai obrigar ninguém a casar. Até porque inclusive entre os gays há de praxe uma certa alta rotatividade nas relações, que pode até vir a melhorar. Mas se acabar vai perder a graça. Também não precisa ser gay para entender, apoiar, assim como não é exatamente uma questão religiosa.

Contudo, não é porque sou da Paz que rejeito as regras da guerra. Vivemos em conflito, até com nós mesmos! Padres não viram castrados ao serem ordenados. O desejo chega; não manda recado, nem marca hora. É assim que tudo pode ser, um dia, a nossa realidade, por mais distante que esta pudesse parecer. Não diga dessa água não beberei, com ou sem bolinhas. Se não fui acho que devia ter ido – sempre rola.

A propósito, o tema é respeitar. Mudar, fazer, acontecer, decidir – ou não. Os dias passam. E a geminiana aqui se encontra em sua plena piração anual, que acontece de qualquer jeito. A sorte é que ganhei de presente de Deus um espírito mutável.

Depois dos 50, preparem-se as que quiserem ouvir, fica mais, digamos assim, visível a pressão externa por mudanças, a avaliação, uma certa apreensão com os próximos dias, e não é mais só pela espera da menstruação – de quem gostava muito, e que ando até com saudades da rotina, agora inconstante.

Antes que esqueça, inclusive, explodam-se as convenções. É o que acho. Sou, no bom sentido, moleca; nasci moleca e moleca permanecerei de espírito. Sempre vivi a contradição entre a imagem que os outros vêem e julgam – e o que sou exatamente. Sofri, apanhei, perdi e acabo sendo sempre muito prejudicada por isso, o que me faz sempre evitar fazer juízos “visuais”. Cansei de ser chamada de maluquinha, meio louquinha, figura, exótica (é, usam muito essa palavra para mim), ou qualquer outro termo apenas idiota ou condescendente que na verdade busca desmerecer-me, mesmo que sem esse claro propósito. Só o velado, o odioso velado.

Escuto. Pisco. Sei. Faço de desentendida para viver. Tento apenas escapar de que não me atrasem ainda mais a vida por isso. Controlar o que posso, mas só posso com o que é declarado, claro. Queria ver é fazerem metade do que faço, da responsabilidade com que encaro as tarefas que me são confiadas, das renúncias que fui e sou obrigada a fazer.

O mundo é dissimulado demais da conta. Pensam que foi fácil chegar até aqui – com vários arranhões, decerto – mas sendo ainda espontânea, otimista e independente? Sem riquezas e posses, sem olhos claros, e de altura pouco mais de metro e meio? Solteira, sem filhos? Para azar e horror dos que gostam de teses imutáveis, sempre fui estudiosa, sempre fui obediente e boa filha (perguntem por aí, se duvidam), boa irmã, boa amiga, solidária como posso. Trabalho, literalmente, e sem parar, desde os 15 anos de idade, quando pretendi, mas nunca consegui, comprar uma motocicleta, mondo cane. Fui uma das primeiras – ao menos que conheço – a andar de moto, de skate, por aí, e a conviver com garotos sem que isso significasse nada além de amizade. Não havia raça proibida. Nem religião. Nem estado civil, sexo. Tudo isso no meio de uma ditadura. Ou isso ou aquilo. Sempre optei pelos dois, ou três, ou mais quesitos. (…piscadinha marota…)

Sim, quiseram casar comigo, mas me desvencilhei, segura de que só – eu e minhas contradições – seria feliz, porque também sempre achei no caminho gente querendo é me mudar, me prender, tirar o sorriso de minha boca e o brilho dos meus olhos. Alguns conseguiram. Mas fui buscar de volta a tempo. “Atroz contradição a da cólera; nasce do amor e mata o amor”. (Simone de Beauvoir).

Aos 8 anos de idade, me joguei na lama por odiar uma roupinha de marinheiro branca e engomada que me obrigaram a usar; a partir daí invento minha própria moda. Quando tem gente vindo, já fui e voltei. Fui e voltei. Voltei e fui, mesmo sem sair do lugar. Nem tão solta como quis, mas sempre com os livres e os livros. Amei e amo muito, inclusive casos que duraram algumas décadas, sem ter o amado, apenas o amante, de todas as cores, credos, carteiras, com cabelo ou não. Apenas algo que me encante.

Sou rock n`roll, mas também sou jazz, e pretendo manter a resistência.Tudo é possível, e aqui no Brasil ainda mais, o lado bom de nossa gente.

Somos nós as contradições vivas, e quem é que sabe disso além de nós mesmos?

São Paulo, astral de 2011, quase virando mais um numerozinho do velocímetro

(*) Marli Gonçalves é jornalista. Usa minissaia e aproveitará bem, até o último instante, tudo o que puder.

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O Baú de Minha Mãe”,  artigo que escrevi em homenagem à minha, à sua, para todas. Para ler, clique AQUI