ARTIGO – Halloween mundial e real. Por Marli Gonçalves

Vai ser – na verdade até já é e está estranho – muito estranho – viver o Halloween este ano, uma vez que as bruxas já estão soltas, os esqueletos se espalham, fantasmas e almas surgem das tumbas dos bombardeios e as crianças que vemos – sequestradas, reféns, feridas sob escombros, órfãs, pedem doces ou brincadeiras, ou qualquer coisa para comer e beber. Pedem para sobreviver.

E olhem que o Halloween é na sua origem uma celebração de culto aos mortos. Por aqui as coisas são de plástico, aos montes enchem as ruas do comércio popular. Abóboras, morcegos, esqueletos, fantasminhas e fantasmões, fantasias de monstros e bruxas competem há dias com os enfeites de Natal nas vitrines – outra data que também já vimos não será fácil com a sua terra e origem religiosa sitiada, abalada pelo medo.

Guerras são sempre fora de hora, nunca param, parece que jamais serão banidas de nosso vocabulário. Os humanos se alimentam delas, os senhores da guerra, fabricantes da morte, os líderes religiosos e dirigentes, os países ricos, as instituições mundiais que se enfraquecem, inábeis ou mesmo inúteis. Vivem da destruição, dos conflitos, das questões geopolíticas intrincadas. Na do momento já perdemos jovens brasileiros, famílias, e as crianças e mulheres claramente são suas principais vítimas. Milhões de pessoas em todo mundo estão apreensivas e só isso já afeta e faz muito mal, e por um longo tempo, à saúde mental de todos.

A guerra nos ocupa. Parece que tudo segue para um segundo plano após a sua eclosão. O meio ambiente, os esforços globais para transformar e salvar o que há de se salvar da natureza para evitar os grandes desastres climáticos, estes a forma que a natureza encontra para sinalizar os limites das destruições, desce o patamar. Tudo entra em suspensão. Não bastou a pandemia.

Incrível ser muito chamada de guerreira tendo verdadeiro horror às guerras. A minha guerra, como a de tantos de nós, guerrilhas diárias, é particular, quase solitária. Vivemos e agimos com elas. Mas guerras de países, de ideologias, de territórios, perturbam sobremaneira, como devem perturbar a todos os que ainda tem sentimentos, e captam estas, sim, uma forte energia coletiva, a da apreensão. Onde tudo vai dar? Onde cairão os respingos? Do que a humanidade ainda é capaz?

Que nossos Santos todos – de todas as fés, religiões, credos – nos protejam. Aos ateus, que apelem ao mais racional para todos juntos tentarmos brecar essa terrível escalada de violência. Óbvio que no momento o conflito no Oriente Médio é o que assistimos horrorizados, o inferno aberto pelos terroristas, com o fogo e o cheiro da morte alimentado na defesa raivosa. Mas aqui também estamos cobertos de guerras e fatos.

Senão o que mais é a luta de “comunidades” contra “comunidades” no Rio de Janeiro? Os confrontos entre traficantes e milicianos, e destes com policiais, todos armados até os dentes, prontos a perder suas balas no corpo de inocentes?

O que fazer nesse país de dimensões continentais extraordinárias quando, de um lado, rios secam, florestas queimam numa estiagem sem igual; de outro, cidades inteiras boiando debaixo da água, inundadas pelos rios que sobem fora de seus cursos.

São todos fatos históricos, índices históricos que se sobrepõem acelerados dia após dia. No meio de um tempo de pouca gentileza e muito individualismo. Embora sabendo o que o contrário significaria, e querendo ainda viver muito, ando bem cheia de presenciar a história e os seus fatos, sem doces ou brincadeiras. Muito menos fantasias.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Os olhos e o olhar. Por Marli Gonçalves

 

 Os olhos. Sempre foi muito importante para mim reparar nos olhos, não na beleza, na cor, no tamanho, mas na expressão, no olhar. No que eles transmitem das pessoas. E a cada dia impressiona mais reparar nos olhos do homem que nos governa – aquele olhar seco, assustado, às vezes arregalado, sem piscar, e que transmite ódio a quem o cerca com perguntas que precisaria responder, e que lhe são indesejáveis. O alarme está tocando; você também deve estar ouvindo…

Não bastassem os olhos, agora os ouvidos tampados, e a demonstração de total ignorância com relação aos fatos que se sucedem sem pausa. Estamos agora bem no fim de outubro, e coincidentemente em plenos dias de terror, das incertezas; mas as nossas assombrações diárias são realidade. Não são crianças fantasiadas pedindo doces, nem maquiagem divertida. São homens – sim, a imensa maioria bem masculina – que se propuseram a governar esse enorme país, e que nos assustam, apavoram, com sua inoperância, ignorância, e ainda ameaças. As mentiras que contam, como se acreditassem nelas; as mentiras que buscam e que, mesmo desmascaradas, não se desculpam, nem nada fazem para detê-las. Ao contrário.

Lembro-me bem da campanha para a Presidência de 1989. Dos muitos candidatos daquele momento, o que de longe mais apavorava era o Fernando Collor. Os olhos de Fernando Collor, se tivessem sido notados, mostrariam antecipadamente o que tivemos de depois suportar com sua eleição baseada na mentira, na imposição do medo, muito parecida com a que vivenciamos recentemente. Aqueles olhos… Não precisa ir longe para lembrar, se você ainda não era nascido ou não tinha idade para votar. Ele está aí, voltou, por incrível que pareça, e mantém aquele mesmo olhar (e os malfeitos). Depois de tudo o que fez e aconteceu, voltou e é um dos senadores de nossa combalida República. Repara.

Dizem que as mulheres são mais intuitivas, o que é certo. Mas é que também somos mais sensíveis, reparamos mais e melhor nos sinais corporais. Em alguns casos é como se um alarme tocasse. Não é caso de análise política, objetiva, nem estudo sociológico ou econômico. É outra coisa que paira no ar. O alarme está gritando. Eu o ouço em meio ao silêncio brutal das ruas. Em meio às filas quilométricas de emprego.  Nas portas arriadas do comércio. No medo da vida, da noite, da violência, cortado pelo barulho das motos dos entregadores que agora levam os restaurantes até as casas. Ouço na indignação das milhares de pessoas voluntárias que sujam as mãos e os pés de óleo nas praias nordestinas prevendo, mais que o dia de amanhã e o fim do mês, o verão que se aproxima e do qual dependem como as formigas.

Eu o ouço em meio ao barulho infernal dos protestos violentos aqui nos nossos vizinhos, praticamente todos países divididos em duas partes, como maçãs. Um a um entram em círculos de fogo, povo combatendo governo, povo combatendo povo, governo combatendo povo, batendo cabeça, e algumas vezes a temida continência, fardada, em pronunciamentos. São de esquerda, direita, todas as direções descontroladas em momentos significativos ou nos quais apenas uma fagulha de centavos seja o estopim.

Muitos de nós já viram e viveram momentos muito parecidos, e que jurávamos ter sido deixados para trás. Muitos de nós procriaram as gerações atuais, os mais jovens, que trazem em si esse mistério deste século tão transformador, de qual caminho escolherão, como se organizarão, qual o olhar que lançam sobre o futuro. Se irão para a frente de batalha com inteligência ou com máscaras. Se continuarão a pintar em suas peles, em tatuagens, sua visão, sua individualidade. Se recorrerão ao mundo digital sem perceberem que estamos todos sendo por eles monitorados o tempo inteiro, e por poucas e concentradas corporações.

O mundo está em movimento e há uma apreensão. Basta olhar e reparar no olhar deles todos, em todos os Poderes. E ouvir o alarme incessante.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano- Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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ARTIGO – Esculhambação nacional. Por Marli Gonçalves

 

Esculhambação, avacalhação nacional, bagunça total, descompasso geral. Vamos aproveitar tanto piche, mas para pichar os fatos que nos cercam e os caras que os criam. E nem venham dizer que a economia isso e aquilo porque a realidade das cidades desmente a olhos vistos, a olho nu.  O nível do debate político dança na boquinha da garrafa, enquanto tragédias se sucedem e nos encontram inertes, abobalhados. Inclusive mais uma – a de fazer parecer que só Lula salva. Não é hora. Com tudo isso, nosso outubro é prévia de horror

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As terríveis e enormes manchas negras e oleosas, grudentas, atacam, se deslocam para lá e para cá no oceano, tingindo e melecando nossas praias, a água, nossa areia, matando nossos bichos, minando ainda mais a nossa imagem no mundo inteiro e que já está, como é que se diz? Abaixo do piche uns bons metros! E aí? Ninguém sabe, ninguém viu, e as semanas se passam com o povo enxugando gelo com pás e rastelos. Os governos do Nordeste precisam chegar a processar a União para obter ajuda, mesmo a básica, a das boias de contenção, para que ao menos os rios de suas regiões também não sejam atingidos. Há um mês vemos esse filme de horror, com um ministro do Meio Ambiente limpinho, sobrevoando as áreas e as soluções calçado com seus sapatos engraxados e exibindo colete néon luminoso, que ele é homem de moda, capricha no visual.

No Governo Federal – nem me perguntem como é que chegamos a isso – conseguimos que acabassem reunidas um grande número de pessoas sem a menor condição de governar, desprovidas de bom senso, diplomacia, conhecimento, capacidade de negociação. Tem só uns dois ou três que se salvam e ficam tentando se esquivar para também não serem atingidos – no caso, por um lodaçal que mistura insultos, gravações, xingamentos, traições. Por conseguinte, se esses estão lá, acabaram puxando com os votos que obtiveram o que há de pior para o Congresso Nacional. Os poderes e as forças em conflito marcam o ano. O ano inteiro – dez meses que parecem uma eternidade, um pesadelo do qual não conseguimos acordar.

A oposição se aquieta, boiando em sua piscina limpa, até porque nem precisa se esforçar muito porque o próprio presidente Bolsonaro, sua família, sua turma, seus apoiadores reais e robôs dão cabo de se afundarem sozinhos. E, assim, nesse momento ganha tempo para de novo focar naquele que parece ser o Único, o Salvador da Pátria, a perfeição, o Grande Líder, que está preso, mas dando entrevistas tão incensadas que são publicadas em capítulos. Lula tem opiniões sobre tudo e todos, mas nunca usa esses espaços para sequer um segundo de autocrítica, de rever a participação nesse processo que nos levou a tudo isso, não estende a mão à enorme parcela, inclusive uma parte da esquerda, e que questiona o seu partido e as suas decisões.

Acontece que isso se espalha. As informações, por exemplo, de como um prédio pode ruir inteirinho de uma vez só, como se os seus moradores estivessem em um sono profundo e deixassem que as colunas de sustentação que já estavam péssimas fossem detonadas por pedreiros de alguma empresa inexperiente e barata, explica a apatia que se abate sobre nós. Explica muita coisa, Brumadinho, os meninos do Flamengo mortos no abrigo, as milícias, as mentiras, os feminicídios, os viadutos que viram abrigos e focos de incêndio, toda a série sem número de desgraças que acompanhamos como quem vê um seriado na tevê, esperando o próximo capítulo.

Essas pessoas, enfim, somos nós, brasileiros, que não acreditam nas informações sérias, sem educação suficiente que formem profissionais capacitados. Somos aqueles que não tomam providências quando elas devem ser tomadas, que adiamos as decisões, deixamos sempre tudo para a última hora, que não acreditamos em riscos, que vamos deixando as coisas seguirem até que elas enfim desabem sobre todos nós.

Que achamos bonita a esculhambação, porque, afinal, somos brasileiros, Deus deve ser também. Nem se repara mais que esse Brasil que canta e é feliz anda bem calado. E inerte.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano- Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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ARTIGO – Olha a faca! Por Marli Gonçalves

Nossa mais nova preocupação é pontuda, afiada, pode ser facilmente encontrada nos mais diversos tamanhos, e feita de materiais que ainda não são exatamente localizados, identificados, previstos ou apontados em inspeções, como cerâmica, madeira, acrílico, plástico. Está cada vez mais comum saber que foram elas as armas que zuniram em atentados, brigas, assaltos e feminicídios. Tenho verdadeiro pavor delas, que surgem do nada

Tudo bem que até um palito de dente pode ser usado como arma. Ou um dedo apontado, intimidando sob uma camisa. Mas enquanto nos preocupamos tanto com o porte de armas, com sua legalização, com o lobby horroroso pró-indústria bélica, assistimos apavorados diariamente a crimes cometidos com uma das mais simples, terríveis e acessíveis formas: as facas, que estão em todos os lugares, nas cozinhas, fininhas, pequenas, grandes, facões, peixeiras.  As armas brancas, que surgem no noticiário sempre tingidas de vermelho do sangue de suas vítimas.

Acostumamos a chamar de armas brancas quaisquer objetos, geralmente usados para trabalho, que possam ser utilizados de forma violenta, para defesa ou ataque. Tesouras, machados, martelos, canivetes… e facas. Entre muitas outras formas. São cortantes, perfurantes, perfurocortantes, contundentes, cortocontundentes, perfuro-contundentes e perfuro-cortocontundentes. Todas, formas pavorosas. Ou seja, furam, rasgam, picam e retalham o que alcançam. Terríveis, silenciosas, comuns, perigosas, traiçoeiras, aparecem mais rápido do que alguma reação de defesa, inclusive porque usadas já bem no corpo a corpo, num abraço de morte e traição, como em uma ópera de Bizet.

As armas brancas são utilizadas principalmente em conflitos interpessoais e de gênero (feminicídio), este último com alarmante crescimento nos últimos tempos. As facas têm sido também uma das principais armas em atentados malucos ou terroristas nas ruas de algumas das principais cidades do mundo. Aqui, quase levou a vida daquele que viria a ser – talvez até justamente por causa dessa facada – o presidente da República. Jair Bolsonaro foi atacado no meio de um comício nas ruas de Juiz de Fora.

Dizem que quando a gente tem horror ou medo de alguma coisa pode ser trauma de vidas passadas. Sei não, não sei, mas posso ter sido atingida por alguma lâmina em alguma dessas passagens porque tenho verdadeiro horror a elas, as armas brancas, e admito, as temo mais do que às armas de fogo.

A violência está disseminada de forma tão generalizada que até as leis têm dificuldade de acompanhar.  A legislação existe. Está na Lei de Contravenções Penais. Se uma pessoa estiver, por exemplo, com um canivete ou uma tesoura em um ambiente onde isso não é aceitável— um estádio, um cinema – pode ser autuada em flagrante por porte ilegal. Mas, claro, primeiro tem de ser vista. Mas…Pode-se proibir canudos de plástico, mas não as prosaicas e baratas facas de cozinha. Agora também na linda e chique versão das moldadas em cerâmica, de várias cores. Em algum lugar, li que o procurador que recentemente esfaqueou a juíza dentro do Tribunal usava uma dessas; por isso não teria sido detectada no raio-X.

Tudo, enfim, pode ser arma. Até os garfos e as colheres. Até a palavra, vejam só, pode ser mortal, se desferida contra alguém fraco. Pedras atiradas. Estilingues. Flechas. Drones sobrevoam jogando bombas e podem mudar a geopolítica mundial, como também recentemente vimos, atingindo as refinarias de petróleo na Arábia Saudita. Nas mãos de irresponsáveis carros matam diariamente.

Não damos murros em suas pontas. São as cruéis lâminas das facas que entram e saem dos corpos desferidas várias vezes o nosso temor, especialmente agora, para nós, mulheres. Nem sempre elas ficam guardadas nas botas, presas nos dentes, como no vocabulário popular. Nem sempre “Olha a faca!” é bordão de programa humorístico.

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FOTO: Gal Oppido

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ARTIGO – Sossego em lugar algum. Por Marli Gonçalves

Ninguém mais tem sossego, esse bem tão simples e valioso. Ninguém, por melhor, mais bonito, rico, culto, etcetera etcetera que seja. Não há mais local seguro. Não há idade, cor, sexo, transsexo, nacionalidade ou religião a salvo. Nem quem vive de tirar o sossego dos outros está a salvo. Que mundo é esse onde chegamos?

No bar, no restaurante, no aeroporto, no estádio, na escola, na casa noturna, as gargalhadas e boas conversas com amigos, o paladar da degustação de um jantar e a alegria podem ser interrompidos em segundos por um grupo de malucos armados, alguns vestidos com bombas e com vale-transporte “boom” para o paraíso que imaginam alcançar com sua dedicação e fanatismo. Os senhores da guerra e das armas devem estar orgulhosos do que conseguiram: inquietar um planeta.

Pois falo do terror, e falo também do outro terror – esse que está bem aqui, bem nosso, que nem ideal tem, mais comum, que desce o morro, não para morrer, mas para matar por uns trocados, um relógio, um celular. Que mata por prazer. Que vaga pelas ruas à cata de seus alvos, entre os descuidados, entre os distraídos, ou que não deviam estar ali naquela hora, naquele momento. Bestas, cada vez mais jovens, cada vez mais numerosos, querem tomar na mão grande o que nunca pretenderam conquistar pelo bem. Homens e mulheres que sob algum comando geral, estranhamente sempre muito pouco identificado, atacam. Eles não têm futuro e acham que ninguém pode ter. Qualquer movimento brusco, qualquer tentativa de se defender pode valer uma vida, tirada ainda mais rápido e sem piedade.

Vida que vale nada, pouco; aliás é o produto que vem sendo mais desvalorizado na bolsa da existência. Tempos violentos esses, sem poesia nem para atos extremos – antes, há uma ou duas, três décadas, ainda havia restos de um certo romantismo e elegância, uma certa aventura, para os que buscavam seus ideais patrióticos ou políticos, em guerrilhas e roubos arrojados. Ladrões que mereceram admiração pelo estilo que executavam seus crimes. Ou até os que amavam tanto que o ciúme corroeu a alma ao ponto de quererem matar para continuar sendo únicos, paixões cheias de literatura.

sport-graphics-water-skiing-619865Hoje não são mais histórias bonitas, daquelas que dá vontade de escrever sobre elas, saber o que as motivou, como tantas vezes na vida de repórter encontrei. Agora são apenas notícias cruéis, curtas, sem emoção, que se sucedem e preenchem com estardalhaço os programas policiais das tardes na tevê, narradas por apresentadores que dão ênfase automaticamente a algumas palavras ou frases que repetem para deter nossa atenção, com vinhetas repletas de sangue estampadas no rodapé. Truque.

Não há sossego em lugar algum. Isso esgota nossos nervos, e andamos olhando para os lados, desconfiados de tudo e todos, pouco solidários, cada vez mais isolados e em rede virtual onde também ali é preciso atenção, não dá para relaxar. Podem estar do outro lado, fingindo, mentindo, enganando, querendo roubar você. E você pode cair no truque, no golpe, mesmo que esteja em casa, quietinho, de pijama e chinelinho. Não abra. Não acredite.

A polícia apavora – os tiros podem sair pela culatra, perdidos, e alguns deles, dos próprios policiais que podem estar nos dois lados da questão ou defendendo sem eira nem beira umas leis próprias de mundo cão, que autorizam forjar provas plantando armas e drogas, incriminar inocentes.

Cidades pacatas do interior, onde decididamente não havia disso, agora sofrem com a reprodução do que de pior viaja no tempo, nos ventos das grandes capitais. Bancos explodem. Cracolândias tomam suas lindas praças e se expandem por debaixo das soleiras devastando seus garotos, puxados pelos braços do tédio e das informações que chegaram alimentando o bichinho do consumo, do se dar bem.

É visível que está difícil e perigoso viver. Mais ainda enfrentando o maior de todos, o desassossego da natureza, indomável em seus quatro elementos, terra, ar, fogo, água, que também mandam recados e podem se rebelar de vez – e caso isso seja com grande força pode devastar e tornar tudo um grande descampado, um nada, finalmente com uma quietude. Um sossego. Mas um que, creio, não é o que desejaríamos.

Que susto!Marli Gonçalves, jornalista – O que vejo e o que me preocupa.

SP, 2016

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