ARTIGO – Qual é a sua palavra preferida? Por Marli Gonçalves

Você tem uma palavra da língua portuguesa que goste de pronunciar, que goste muito dela e da qual se lembre sempre? Ela muda toda hora? Essa é uma pergunta feita aos entrevistados do Programa do Fábio Porchat, e que toda vez que penso vem uma diferente na cabeça. Depende do dia, da época e até do humor

PALAVRA

Com o que tenho vivido e visto ao meu redor, infelizmente nos últimos tempos as que se aproximam são, sim, belas em forma, som, pronúncia, mas terríveis em sentido. Exemplos? Perfídia. Fugidio. Traição. Outras que prefiro nem registrar.  O que me faz, contudo, dar graças por saber e sentir que outras palavras – muito mais significativas, belas e alegres e gentis – também estão sempre circulando ao meu redor, prontas, esperando apenas dias melhores para serem citadas ou recordadas como preferidas.

Meu conhecido otimismo, humor, alegria vêm sendo seriamente posto à prova por vários motivos, entre eles, claro, os fatos locais, gerais, nacionais e internacionais que certamente devem estar aborrecendo e entristecendo muito você aí também. Não bastasse, cada um de nós tem seus perrengues. E perrengue é palavra sonora com seus dobrados erres que conseguem até atenuar um pouco a tal dificuldade, aperto, sufoco, uma vez que abarca tudo rapidamente. Falou em perrengue está tudo ali, até uma possível rápida solução do mesmo. É diferente de falar problema, que em geral é mais duro e complexo.

Com a sorte e bênção de ser uma geminiana, e se você não sabe dessas coisas, vou contar: uma das características do signo é ser rápido nas mudanças de humor, de rotas. O que muitos pensam ou até acusam ser dubiedade; mas não é. É um poder, importantíssimo, com o qual aprendemos a lidar durante a vida, e que nos ajuda a sobreviver em intempéries, que acabam sendo como as chuvas de verão. Fortes e passageiras, claro, tempestades que sempre voltam, muitas nos pegando de surpresa, mas que seguem o curso, revezando-se com o bom tempo. Não dá pra ficar remoendo: abre-se e fecha-se o guarda-chuvas. Não se guarda rancor, raiva, não se fica remoendo o que já está feito ou visto e sentido. Não quer dizer que isso ou aquilo será esquecido, mas vai para uma gaveta qualquer da memória, essa danada que depois a abre e um dia a recorda. Assim vamos indo.

Ser dessa forma evita, por exemplo, que fiquemos doentes, deprimidos ou tristes por muito tempo com tanta sacanagem, descaso, desconsideração, essas e tantas outras palavras que convivem com nosso dia a dia na lida com pessoas ou fatos. Nos dá a dimensão de que fugidio pode ser apenas o tempo, e ele o é; pérfidos são os que buscam nos abater e não conseguem porque sobrepomos a eles nossa lealdade e sinceridade, imbatíveis e fortalecedores de nossos atos; traidores são os que, ao nos atingir, recebem de volta o sono bem perturbado.

Como é bom movimentar as palavras. Com elas construir nossos sentimentos, observar as coisas, nomeá-las. Vivo delas, e as uso como tijolos para construir histórias, textos, declarações. É quando elas saem do pensamento, ganham vida e forma no papel onde, então, passam a viver, ali expressas. As que ocorrem ao pensar são voláteis, se dão ao luxo de serem trocadas ao bel prazer.

Mas se tem uma coisa que sempre penso sobre elas, palavras, frases ou mesmo nomes é quando vejo muitos decidirem as que mandam tatuar em seus corpos, e cada vez mais em terrenos inéditos, de cima para baixo, na vertical, horizontal, fontes diversas. Coragem de fazer e coragem que muitos têm para olhar no espelho e seguir, com essa mesma ou outras como, creio, primeiro, recados para si, depois para os que mirarem sua pele. Não se arrependem nunca? Nunca vão querer trocar as citações, raspá-las ou encobri-las?

Fora cicatrizes, que não pude escolher não ter, nunca pensei em ter uma tatuagem no corpo, o que ultimamente chega até a ser raridade. Se o fizesse, até talvez um desenho, mas não uma ou mais palavras. Como disse, gosto mais do caráter transitório de cada uma delas levando comunicação ao mundo. Sei bem o quanto perdem sentido muito rapidamente. Especialmente quando são tão massacradas, como democracia, fé, paz, respeito, liberdade. E até amor.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Fevereiro ferve. Por Marli Gonçalves

Olha aí. Já chegou. Fevereiro. Quando a gente olha adiante já sente até o seu calor, e não é só do verão, que tentamos a todo custo retomar e reviver depois desses anos de pandemia, perdas e horrores. Vai ter forçação de barra, sim, para que o Carnaval se sobreponha, que a alegria se espalhe, e por aí vai. Eis o temor.

FEVEREIRO - CARNAVAL

O Carnaval de 1919 após o fim da pandemia no começo do século passado entrou para a História. Era a praga da gripe espanhola que estudiosos calculam ter matado cerca de 35 mil pessoas no Brasil (e 50 milhões no mundo inteiro). Era, como hoje, um clima de fim do mundo, porque, claro, ainda havia dúvidas: acabou mesmo? Ainda podemos morrer?

A história e as farsas, bem sabem, se repetem. A Covid, desde 2020, e em números oficiais, matou até agora – só aqui – quase 700 mil pessoas, cerca de 15 milhões no mundo, onde nos inserimos tão fortemente logo nessa hora, maldita globalização! E não parou ainda não. A média de mortes nos últimos sete dias anteriores a agora quando escrevo foi de 131 mortes/dia, no Brasil. Chamam isso de estabilidade. Tudo bem, tudo bom, que a situação parece mais controlada, embora ainda haja a burra resistência de alguns milhões à vacina, incerteza sobre novas cepas e sua capacidade de transmissão.

Mas vamos para a festa, porque precisamos dela. Não só por conta da doença mais “estável” (vejam bem, estável), mas porque merecemos alegria – temos vivido meses bastante intranquilos, e em âmbito nacional e internacional, seja pela política,  pela(s) guerra(s), pelas visíveis alterações climáticas e desequilíbrio da natureza, pelas incertezas econômicas, que problemas não faltaram. E especialmente porque estamos como náufragos saindo desses tempos com nossa saúde mental alterada, com os nossos corpos alterados, assim como muitos costumes. Todos fomos de alguma forma marcados a ferro e fogo por esse período. E o Carnaval de 2023 deve passar à História, falta saber como, se será legal, positivo. Ou…

A guerra continua. As cada vez mais fortes e estranhas transformações ambientais também. Fora, por aqui, as estranhas e esquisitas manifestações golpistas, uma turma envolvida no verde e amarelo que acredita só no que quer, parecendo ter sido juntada por disparates, sem ver um palmo à frente. Ainda incapazes de perceber que quem não é “deles” pode mesmo não ser do “outro”, esse lado que tanto odeiam, e muitos nem sabem explicar por causa do quê. Incapazes de reconhecer qualquer realidade, nem mesmo a dos índios que vemos sucumbir diante de nossos olhos em imagens ao vivo, mas que juram ainda serem mentira, feitas em outros países. E, vejam, há muitos dessa turma sendo caçados diariamente pela Polícia Federal depois da invasão em Brasília no dia 8 de janeiro, e o que vem servindo para atrasar ainda mais o expediente da volta à alguma normalidade.

Por outro lado, há de se registrar, a bem da verdade, que o “outro”, o novo Governo, que embora novo já seja também nosso velho conhecido, está ainda encalacrado demais, patinando e escorregando nesse primeiro mês, perdendo desnecessárias batalhas de comunicação, com umas bocas que falam mais do que a língua alcança,  infinidade de decretos e muitas ideias de jerico, que não vão dar em nada, mas causam ruídos e maremotos consideráveis.  Repetindo erros, velhas cantilenas, simulando revanches ao mesmo tempo que mantém aqui e ali as mesmas discutíveis alianças e métodos de outrora.

No Carnaval – que aliás já começa a se mostrar que, convenhamos, só quatro dias é pouco, tem de começar antes – esqueceremos tudo, aí todo mundo se juntará, pelo menos espero, e que seja em paz.

Fevereiro tem muito a acontecer, além da festa para Iemanjá, o verdadeiro Dia dos Namorados, tem até Dia do Comediante. Dia 28 é o Dia da Ressaca, sabia?

Ali já começaremos a sentir até os marcos de março. É pau, é pedra.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

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ARTIGO – Estação muda. Por Marli Gonçalves

Normalmente a chegada da primavera é saudada com alegria, como um tempo de renascimento, procriação, vida, florescimento. Normalmente. Mas não nesse ano de 2020; não nesse momento em que o nosso chão tanto queima, nosso céu se esfumaça, nossa energia se esvai. E continuamos mudos. Ou talvez não, o que ocorre é que alguns ouvidos ainda estão moucos.

MUDA

Vai mudar a estação, sim. Será primavera. Às 10h31 da próxima terça-feira, 22, será primavera no Brasil, o equinócio, e a luz do Sol incidirá igual sobre os dois hemisférios, 12 horas dia, 12 horas noite. Mas temo que a nossa noite aqui vai nos parecer maior, estendida que está com suas sombras sobre nós nos últimos tempos.

Você reparou nas nossas estações mudas, mudando? Saímos do verão aflitos com o que viria, no dia 20 de março, já com a anunciada pandemia, já em isolamento social. Assim passamos o outono inteiro e o inverno que chega ao fim nas próximas horas. E está tudo tão louco que o dia mais quente do ano se deu agora, no inverno. Como será, como estaremos no próximo ciclo? Como será o nosso próximo verão, a partir de 21 de dezembro, dias antes do Natal, da virada do ano?

Continuaremos mudos? Que continuaremos com nossos narizes e bocas cobertos com máscaras parece inevitável. Que os nossos sorrisos continuarão invisíveis, talvez até porque ultimamente pouco sorrimos, sem motivos para tal, com sequências de notícias desagradáveis e momentos de angústia, é quase certo.

Mas nossos olhos, mesmo que irritados como os nossos corações e mentes, precisarão manter-se abertos para prestarmos atenção e continuarmos a caminhada sem cair ou tropeçar em tantos buracos, verdadeiras fendas abertas nesses últimos meses e que durarão anos com suas consequências, sejam na natureza, no comportamento, no nível de vida, na economia, na saúde e educação. Seja na cicatrização desse rompimento entre as pessoas, entre a ciência e a razão, impostos pela política.

A uma parte dessas pessoas, ainda não parece suficiente que mais de 135 mil brasileiros tenham sido vencidos pela Covid-19; mais de 4 milhões e meio atingidos. Não são capazes de se enternecer por mais nada, com seus arroubos de ignorância, covardes que se dizem corajosos, como se coragem fosse assim. Fosse isso.

Uma oposição desunida; e um rebanho atrás de espaço que conquistam, violentos, tacando fogo, sem entender que a carne que queimará não será a do churrasco que fazem nas aglomerações com que insistem a desafiar a realidade, mas a dos milhares de animais acuados e aprisionados pelas chamas, e nos campos e plantações que já chegam ardendo em nossos bolsos com os preços altos, falta de produtos.

O ciclo da primavera está em risco. Estações mudam, estações mudas. Mas não podemos continuar mudos.

Temos compensações e precisamos de mudanças, e mudanças, transformação, trocas, só são feitas iniciando plantios. E plantios se fazem com mudas. Sementes, vida pra brotar, renascimento.

Pessoas continuando mudas assistindo a tudo pegar fogo não ajudam nada nisso.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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