ARTIGO – Vai-Vai. Quem vai? Quem não vai? Por Marli Gonçalves

Vaivai, vai, vainão vou… Mais uma coisa bem chata para acompanhar esses próximos dias, como se ainda faltasse programação, além de tictacs, toctocs e a captura de dois fugitivos lá no Rio Grande do Norte: a listinha de confirmações, os convidados para o palco da festinha dominical temporã e sem noção programada para causar tumulto na Avenida Paulista daqui a alguns dias. Quem vai ter coragem de mostrar a carinha?

vai vai, quem vai

Não que ainda seja necessário, haja dúvidas, porque a cada dia estão mais claras e comprovadas quais foram as intenções, os participantes e simpatizantes da tentativa de golpe e perpetuação no poder do grupo do ex-presidente Jair Bolsonaro. O que causou as balbúrdias e o vilipêndio dos símbolos nacionais, os mesmos que novamente querem que sejam usados como uniforme de identificação. Será a tentativa de defesa do indefensável. Mais uma aposta na divisão do país que há mais de um ano tenta se reencontrar em paz novamente. Mas está difícil.

Repito que estamos em busca do tempo perdido, sem a poesia de Proust. As ervas daninhas continuaram a crescer, e ao que parece cada vez de forma mais desordenada de todos os lados.  Redes sociais agitadas, robôs em ação espalhando fake news e discursos para confundir aqueles que não sabem de todas as coisas da política.

Qual desfile veremos na avenida? Que outras cores? Do outro lado, torcidas organizadas de vários times garantem presença no mesmo dia e hora, em defesa da democracia atacada. Coisa boa daí não sai.

Enquanto isso o homem que virou xerife, há de ser dito, dá ordens também estranhas, ultrapassando os limites jurídicos do poder que vem concentrando em suas mãos e criando, assim, mais uma divisão. Distribui sentenças de mais de década a uns coitados usados pelos poderosos como linha de frente da destruição de 8 de janeiro, enquanto os mandantes e influenciadores continuam por aí atrás, inclusive, de angariar mais incautos que se rebelem por eles. Tudo fica mantido: o que posa de coitado para se manter em destaque. O que se destaca para continuar impune. Os que aparecem como salvadores perdendo as oportunidades com o tempo correndo, quando tudo poderia já estar caminhando melhor, incluindo aqui as falas e atos do atual presidente.

Vai-Vai é nome de escola de samba, inclusive a que este ano trouxe uma ala infernal que irritou a polícia ao retratá-la violenta no que é quando empunha escudos. E a questão diariamente até lá será: quem vai, quem não vai? Como se comportará a plateia de mais esse show de horror?

Mais dias ainda de o Brasil acompanhar a captura dos dois fugitivos da prisão de segurança máxima em Mossoró, RN. Não podia acontecer, mas aconteceu. Parece que esqueceram que preso – em qualquer lugar que seja –  só pensa em fugir, maquinando ou aproveitando qualquer chance ou oportunidade, e no caso parece que algumas ajudaram – inclusive a inépcia da segurança cheia de buracos do local, apenas agora identificada, embora realmente seja mesmo estranho segurança máxima sem muros, só com telas. Se capturados, ouviremos desculpas e requintadas explicações.

Temos um arrastado ano eleitoral pela frente, onde qualquer detalhe será usado para se jogar no tabuleiro.

Pior é não faltarem detalhes, porque de sobra há tempo perdido em todos os setores. Enfrentamos uma epidemia de dengue, sem vacina para todos; vacina, entre outras, contra Covid, ainda demonizada pela ignorância que não se satisfez com as milhares de mortes, o que contribui para que a doença ainda esteja aterrorizando a todos.

O país do Carnaval busca enredos cada dia mais difíceis de serem compreendidos, e o samba com certeza vai desafinar. Lembro bem – e a tempo – de um trecho de “O Canto de Ossanha”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes:

“… O homem que diz dou (não dá)/ Porque quem dá mesmo (não diz)/  O homem que diz vou (não vai)/ Porque quando foi Já não quis/ O homem que diz sou (não é)/ Porque quem é mesmo é (não sou)/ O homem que diz ‘tô (não ‘tá)/ Porque ninguém ‘tá” Quando quer/ Coitado do homem que cai/  No canto de Ossanha traidor…

_____

marliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Quando o Carnaval passar. Por Marli Gonçalves

Se bem que Carnaval, Carnaval mesmo, pensa bem, nunca passa ou acaba por aqui, onde tudo vira o próprio, carnavalizado, e inclusive isso é o que ajuda a que nada seja enfim solucionado. Passam solenes pela “Avenida Brasil” a alegoria, as alas, as testemunhas, os atores, a gente aplaude ou vaia, e a coisa se repete em seguida, como um mantra.

carnaval
… Não cuidamos do quintal quando devíamos. E o mato crescendo; as ervas daninhas continuaram – e visivelmente continuam – a brotar…

Acontece um fato. Noticiado, esmiuçado, repercutido, agora também uma loucura nas redes sociais onde, se você é um dos que as acessa e à repercussão, sabe muito bem ao que estou me referindo e nesta semana tivemos um exemplo literalmente flagrante, com vídeos, explicações, prisões, documentos, caras pálidas e lavadas em todas as instituições. Um lado (que coisa chata essa de pensar que só existem dois lados dessa questão!) solta rojões, comemora, cria memes e charges e o “outro” reclama, ameaça, briga, baba, solta mentiras, tenta explicar até o inexplicável, defende, chama exércitos de robôs. Em um dia, segundo um instituto de pesquisa, foram 56 milhões de citações. A favor e contra, e como tudo virou a maldita divisão…Mais pra cá ou pra lá.

Parece que somos todos idiotas. Que precisam sempre ser conduzidos a um curral moral ou outro, porque não teríamos opinião própria ou capacidade de discernimento ou crítica. Cada vez mais comum e aborrecido, além de emburrecedor, inclusive na imprensa que fica, parece, tomada de muita alegria, excitação, certezas, duelo por fontes, declarações, e até adivinhações, e vai ao ar ou publicada já editorializada.

Acaba que tudo termina no mesmo rolo, até que apareça outro. Aconteceu durante anos com a Lava Jato, e estamos vendo no que deu. Ou melhor, no que já até já está virando novos enredos para os carnavais seguintes, e com tramas fantásticas e difíceis de desvendar. Se não acompanhou o caso, acredite, tudo já vinha mesmo repleto de falhas graves, aberturas para questionamentos futuros, improvisos, furos impressionantes. Um molde que continua sendo usado. Daí tudo virar apenas Carnaval o ano inteiro. Aguarde só os próximos lances seguindo a Quarta-Feira de Cinzas. Será que agora vai?

 Acontece todos os dias com o noticiário sobre violência, onde nem mais conseguimos contar o número de vítimas entre inocentes, culpados ou “suspeitos”, cada vez mais termo usado – os tais supostos suspeitos, mesmo que filmados, condenados, e sempre como se imparcial isso fosse – muitas vezes duvidando até da mais cruel realidade.

Dizem que no Brasil tudo é futebol. Acrescento, assim, que também tudo é Carnaval. Cheios de máscaras, fantasias, foliões, paixões efêmeras e um certo embebedamento, letargia. Nos últimos anos vivemos envolvidos nesse baile, perigoso baile. Com possibilidade, perigo, como agora ainda melhor informados, inclusive, de fechamento de tempo, de retorno ao que já tivemos de mais cruel.

Sabíamos disso? Sim. Porque então deixamos que isso transcorresse como normal? 8 de janeiro não foi o único ápice. Tivemos um dia a dia pavoroso antes, durante quatro anos, no meio da mortal pandemia. Há tempos vemos a bandeira nacional ser usada como logotipo até de uma tentativa de guinada para o nevoeiro, para uma nebulosa e esburacada estrada. Ficamos esperando que apenas alguém, algum herói – e eles, acredite, não existem – parasse esse curso, vergando ou o manto negro da toga da Justiça, ou até mesmo a faixa presidencial.

Não cuidamos do quintal quando devíamos. E o mato crescendo; as ervas daninhas continuaram – e visivelmente continuam – a brotar, tornando cada vez mais difícil arrancá-las para a primavera, e porque ainda muitos as confundem com as flores da liberdade.

_____

marli -fev24MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Papai e Mamãe STF. Por Marli Gonçalves

Se bem que é mais papai, porque lá pelo Supremo Tribunal Federal a gente infelizmente só tem duas mamães, entre os onze que compõem a sua formação, Rosa Weber, a presidente que está para sair, obrigada, vai fazer 75 anos, e Cármen Lúcia.  São eles que vêm traçando os destinos não só da Nação, como também os nossos em muitas questões comportamentais.

papai e mamãe STF
FONTE: Migalhas

Que a gente acha até que um dia vai abrir o box do chuveiro e encontrar um deles determinando algo, pode ser, tanto têm feito. Que o STF tem passado do ponto em muitas coisas, criando encrencas, falando verdades e exagerando outras, nos garantindo, mas batendo nas nossas mãos com palmatórias, tentando regular muito mais do que as próprias pernas, e por isso sendo atacado pesadamente por extremistas dessa divisão burra – necessário dizer. Claro que é preciso estar atento e forte, porque muitas decisões que hoje aplaudimos efusivamente de alguma forma podem num futuro se voltar contra nós, se o tempo fechar. É preciso expressar isso claramente para o horror da esquerda. Que há limites, especialmente para o “mandou prender”, “mandou tirar do ar”, entre outros, que fique claro.

De outro lado, ultimamente eles parecem muito mais próximo de nós, pobres mortais, do que eram num passado ainda, pode-se até dizer, recente. O que se acelerou durante o governo passado, quando em inúmeras vezes nos salvaram das mãos da ignorância e do autoritarismo reacionário e conservador de extrema direita que ainda hoje teima em se criar e nos aborrecer aqui e ali. Um dos ministros, Alexandre de Moraes, o que mais tem se destacado, a ponto de ganhar apelido popular, Xandão, e memes engraçados, usados em conversas nas redes, para o bem e para o mal, de um lado e de outro das questões discutidas.

Só nessa semana tivemos duas notícias de lá daqueles lados onde tudo tem indo parar. A primeira é até ridícula que ainda estivesse sendo discutida em pleno agosto de 2023, a tal legítima defesa da honra, a tese utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher buscando justificar o comportamento do acusado. Carimbada agora como inconstitucional, por unanimidade. Ufa!

A segunda notícia foi um voto até histórico do Xandão em um julgamento que ainda vai dar muito pano para a manga – seria ao fim uma questão de descriminalização da maconha, do uso recreativo da cannabis. O julgamento está em 4 favoráveis a zero. Já votaram a favor, mas com divergências pontuais, os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luis Roberto Barroso. Mamãe Rosa Weber suspendeu a votação por enquanto, isso porque Gilmar Mendes acha que a coisa deveria ser mais completa, para outras drogas. No caso, se discute o porte: quanto seria legal? Quanto seria tráfico? Segundo Xandão, além de apontar o racismo, mais negros que brancos presos, usuário seria “quem adquirir, guardar, tiver em depósito ou trazer consigo de 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas”, bem explicadinho assim.  Gritaria geral, com esse Congresso esquisito querendo ser ele a instância a decidir. Falam até em plebiscito.

Enfim, o que vem ao caso é como tudo agora passa ali pelo plenário do STF, por conta disso mesmo tão destruído simbolicamente durante a raivosa invasão dos bolsonaristas em 8 de janeiro. Os ministros continuam mantendo presos muitas vezes quem roubou um bife, um shampoo. Mas saiu dali também a liberação de com quem casamos, uniões estáveis, homoafetivas, e logo estará sobre a mesa uma questão importantíssima, fundamentalmente ligada às mulheres: o aborto, e as condições para sua liberação, aliás leis e normas que há anos são soterradas pelos parlamentares que fogem do tema, literalmente, como o diabo foge da cruz, por envolver questões religiosas. Mais uma hipocrisia nacional tentando ocultar a realidade, assim como a questão da maconha.

Só que até há pouco estavam dez ministros votando, e chegou agora o 11º, o pálido e indecifrável Cristiano Zanin, indicado por Lula, e de forma bastante discutível.  Uma tristeza, por ser agora o mais jovem entre todos lá, aos 47 anos, já chegando como conservador, como se definem os que não querem mudar nada, nem mexer em vespeiros. Para ser aprovado nas sabatinas até respondeu a perguntas sobre casamento homoafetivo, legalização do aborto e descriminalização das drogas, se apegando à Constituição e no papel do Congresso, que conhecemos bem qual é na discussão dos temas. Ficou na corda bamba.

No país machista, de poder predominantemente masculino, onde as ministras de governo cantadas em verso e prosa estão sempre citadas primeiro em listas de trocáveis por acordos políticos, o que vai acontecer de agora em diante? Logo, em poucos meses, Rosa Weber sai, vão virar dez ministros de novo, e caberá a Lula mais uma indicação para completar o quadro tão irregular, já contando com os dois homens terrivelmente indicados por Bolsonaro.

Será o nome de mais um papai? Mais uma mamãe, uma mulher que tanta falta faz por ali? Precisamos ficar atentos a essa família que vive passeando em nossas casas.

___________________________________________________Marli

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________