ARTIGO – Caos urbano. Por Marli Gonçalves

O caos se forma quando o dito progresso não é acompanhado nem de longe por um mínimo planejamento. Está cada vez mais difícil levar uma vida minimamente saudável, não sei se todas as outras metrópoles também estão assim, insuportáveis, intragáveis. Falta tudo: ordem, ar, civilidade, e agora até a luz toda hora se apaga em algumas das principais regiões da cidade, sem eira nem beira. Por horas, e dias. Sem explicações. Relatos selvagens de nosso dia a dia.

caos
cartum Henfil

Não tem dia, não tem noite, não tem hora, o trânsito engarrafado, as pessoas alucinadas, as motos cortando as vias em alta velocidade. Ao mesmo tempo é difícil sair e não ver algum motoboy estatelado no chão. Regras não valem para nada e todos os dias as notícias aqui e ali de ataques de fúria, muitos até bastante razoáveis, diria até que demoraram. A espera por ônibus por mais de duas horas em pontos e terminais desconjuntados. O Metrô que para no caminho, os trens, isso quando as linhas funcionam – o caos na hora do pico. Passageiros andando pelos trilhos. Tudo isso é cotidiano.

Este ano as eleições serão municipais – ou seja, para prefeitos e vereadores, os mais próximos de nós, os que deveriam estar atentos justamente a tudo e não apenas para aumentar impostos, dar nomes de ruas, inventar normas mequetrefes, tentar legislar  – sim, alguns fazem isso – sobre questões particulares, religiosas. Por aqui o atual prefeito aparece sempre só bem depois dos fatos, consternado, tadinho, com os olhos cheios de água e sem qualquer solução para os prejuízos milionários. A gente é que tem vontade privatizar a cara deles.

Um silencioso desmonte dos equipamentos culturais existentes. A gente grita e não é ouvido. O governador do maior Estado do país aproveita e vai dar uma volta lá fora para posar sorrindo ao lado do primeiro-ministro de Israel, em plena famigerada guerra que insistem como mais um ponto para nos dividir nessa insanidade política.

Muito mais do que apenas fora da ordem, a vida nas grandes cidades está beirando o insuportável. Faz calor – alguém acha que ar condicionado legal é o que gela até a alma. Um exemplo do que está me valendo mais de uma semana de forte abatimento depois de uma viagem intermunicipal dentro de um ônibus que calculo estava a uns 15 º C.

Nos hospitais públicos e privados assistimos à superlotação com a explosão de casos de dengue, covid e de todos os males. Sem lugar muitas vezes nem para sentar para a espera de longas horas. Poucos profissionais, visivelmente sobrecarregados e mal treinados.

O momento é de total demolição do passado e construção de prédios em todos os cantos, sem cuidado com a infraestrutura. Caminhões pesados destroem o asfalto das ruas que viram buraqueiras.

Impraticável.  Tudo.  Não faltam exemplos. Até quando?

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marli goMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Torcida. Por Marli Gonçalves

Torcida. Por isso. Por aquilo. A gente vive torcendo, uma loucura, nem que seja pra chegar ao fim do mês com as conta pagas. Pelo time, país, melhorias de vida, por amor. Torcida é difícil de ser medida, a não ser quando visível ou em movimento em estádios, nas ruas, nas redes. Mas quase nada é tão dilacerante e solitário quanto a torcida pela recuperação de um amigo ou ente querido.

One Person Standing Out From The Crowd Stock Photo, Picture And Royalty Free Image. Image 14095454.

Vai ter torcida sim, claro, que o Brasil tem tradição e dias de Copa do Mundo costumam ser especiais, divertidos, diferentes, seja aqui ou lá no Oriente. É só começar, a bola entrar em campo, o primeiro gol. Lembra? O país é repleto de conhecedores, palpiteiros, críticos e técnicos de futebol. A Seleção entra em campo, o Hino Nacional vai ser entoado e aqui e lá estaremos nós, audiência alta, mão no peito, errando a letra, comentando o cabelo e as tatuagens dos jogadores, esperando refrões à capela dos que estarão presentes. Por alguns dias serão esquecidas as pendengas eleitorais, e até o enjoado sequestro do verde e amarelo nos atos antidemocráticos. Basta um golzinho. Um golzinho só.

Também ali não teremos, no fundo, exatamente como interferir. No dia, no calor, no humor dos jogadores, condições físicas, no time adversário, nas sacanagens, faltas, decisões dos juízes, escalações, VAR.  Se vai ter protesto, quem vai ser notícia se desrespeitar as rígidas leis e mandos da cultura local. O pacote completo entra em campo e minuto a minuto dos 90 regulamentares será o olhar a movimentação no campo. O time todo representará o país, juntando corintianos, flamenguistas, palmeirenses, vascaínos, são-paulinos, atleticanos, etc.  – trocam as bandeiras por uma só. O barulho da torcida será a motivação, o empurrão, e assim vamos até onde der.

Mas cada um de nós tem uma torcida paralela, além do futebol.  Um “tomara”. Algo que almeja, preocupa, pede aos céus. Algumas dependem de esforços nesse sentido, trabalho. Poucas, contudo, dependem tanto de fé quanto quando um ente querido cai doente, internado, dependendo de cuidados, eficiência de medicamentos, reação do organismo, controle de órgãos vitais. Dependem de Ciência, médicos e equipes, e enfim e ao cabo dos desígnios de Deus. Ou, do que seja lá de qualquer fé se professe.

Não é a primeira vez que me vejo nessa torcida por alguém fundamental em minha vida. Aconteceu com minha mãe, com meu pai, com o drama vivido no passado por alguns melhores amigos. Décadas de vida já me deram algumas vezes essa experiência difícil e  me fizeram entender o quanto somos nadas,  frágeis e incapazes nesse momento, para tudo o que apelamos, queimando velas, orando, enviando energias e pensamentos positivos que se renovam e se esgotam revezando no baile dos dias, das horas e minutos, em que cada vitória é comemorada mais do que gol; cada derrota, um pênalti perdido ali na boca do gol, e a gente xinga bactérias malditas de tudo o quanto é nome. A seleção em campo nessa luta trocada a cada plantão.

Seguir firme, ansiando e esperando informações que não chegam – e comemorando isto por conta da velha lógica de que notícia ruim chega logo, chega antes. Toda uma vida passa diante dos olhos nessa torcida que, embora individual, se soma de forma muito bela, emotiva e carinhosa a todos os outros amigos que estejam onde estiverem –  e são muitos – preocupados, querendo fazer algo, buscar o inatingível, emanar solidariedade, diariamente buscando a conquista da taça mais importante do mundo nesse momento: a alegria da volta do jogador ao campo de batalha onde os seus feitos e histórias marcaram ou modificaram profunda e particularmente a vida de cada um de nós, e que esteve ao nosso lado sempre que precisamos.

Todos, juntos, viramos Maracanãs repletos. Ou, melhor, no caso específico, um Itaquerão, torcendo por um de seus mais fiéis corintianos.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO -O novo (a) normal. Por Marli Gonçalves

Ora, não me venham falar nesse tal de novo normal, que as pessoas vão mudar, que aprenderam, que daqui pra frente tudo vai ser diferente, que isso só é letra de música. A realidade é que a natureza humana gosta de viver seus conflitos e que a luta pela sobrevivência ainda é um pisando no pescoço do outro

O que é "normal"?: duração e variação do ciclo menstrual

O estouro da boiada. Como não vivo no campo, aprendi essa semana, vendo como as pessoas estão se comportando logo aos primeiros sinais de relaxamento do isolamento social, e compreendi a expressão – foi o que me pareceu um estouro da boiada. Vendo as filas horrorosas, os apertos e ajuntamentos, as burlas das leis ordenadas, mas sem fiscalização em um país onde faz tempo se aprende a viver ilegalmente. Parece que ficaram os quase 90 dias em casa esperando o sinal tocar, como esperávamos o sinal do recreio na escola, e que passaram esses dias anotando o que comprariam com o pouco que ainda lhes restou, se é que ainda restou. Ou se apenas o que aconteceu é que ficou mais escancarada a possibilidade do fim do mundo, ou da instantaneidade da vida. Partiram para o tudo ou nada.

Nos noticiários vi gente impaciente esmurrando a porta da loja que se atrasou para abrir. Vi também alguns comerciantes reclamando do horário limitado e do número baixo de clientes, como se isso já não fosse de certa forma normal até bem antes da pandemia. Gente atabalhoada tentando tirar o atraso, e esse atraso correndo deles.

Diferente das filas criadas pelo confuso e desatinado governo para dar o auxílio emergencial e quando muitos correram para portas de bancos para tentar garantir aquele trocadinho, o que até valeria algum risco, desta vez se aglomeraram para comprar nas ruas e shoppings populares, bater pernas atrás de presentes para datas que já não marcam é mais nada. Houve também muitos que vieram com sacolinhas e sacolões para comprar o que venderiam em outras filas e aglomerações, em outros locais, nos paraguaizinhos de todo o território nacional.

Máscaras foram o hit da vez nas barracas dos camelôs, mas nem todos as usam no lugar, ou mesmo as usam. Estão faltando beber álcool em gel, como se esse pudesse ser servido em copinhos e, espirrados, fossem mágicos seus respingos. O resultado dessa loucura estará no futuro logo ali, nos números de novos  infectados e mortos, como se não bastasse já termos ultrapassado a terrível marca oficial de 40 mil brasileiros mortos e de quase um milhão de infectados, números ainda acanhados perto da realidade, subnotificados de todas as formas possíveis, inclusive oficialmente, na cara dura.

Repito: e vocês aí achando que uma nova sociedade surgiria dessa experiência que, inclusive, não tem qualquer data para acabar, sem vacina, sem remédios, só desatinos e improvisos. Como? Com um dirigente máximo insano?, que pouco está se lixando para a vida, e que agora – dá até vergonha de falar – incentiva seus seguidores chucros (que certamente poderão, com razão, serem chamadas de gado, se o fizerem) a entrarem nos hospitais para registrar e “denunciar” (!) camas vazias… Qual o próximo passo?

Esse presidente e sua equipe, sim, podem ser chamadas de anormais por não pararem um minuto de multiplicar a ignorância e o perigo. Obrigaram até a oposição a tentar  se organizar e chamar protestos nas ruas, antes ocupadas apenas por uns seres estranhos e feios vestidos de verde e amarelo abanando bandeiras antidemocráticas ou desconexas, montinhos perdidos que podiam ser encontrados tentando  se acasalar e se multiplicarem lá na frente do Palácio da Alvorada; aqui em São Paulo, na porta da Fiesp e em frente ao II Exército.

E os ladrões, espalhados, enchendo os bolsos com o super faturamento de equipamentos e insumos hospitalares? Aumentando preços como se realmente não houvesse amanhã? Bancos posando de bonzinhos nas propagandas e ignorando pedidos de socorro por créditos a juros mais baixos?  A lista é enorme e você aí já deve ter lembrado de mais algum fato entre esses que assistimos estupefatos.

Daqui de meu posto de observação estou é vendo muita gente brincando com a morte, como se ela já não estivesse bastante visível. E fico, acreditem, cada dia mais preocupada e temerosa com a forma dessa abertura precipitada, sem conscientização, como se o vírus tivesse tirado férias. Mas ele ainda está lá escalando a montanha em busca de asfixiar e tirar o oxigênio vital, todo feliz com os pratos oferecidos para sua alimentação, especialmente os pobres.

Para finalizar, não me venham falando em percentual de ocupação de leitos estar folgado. Ninguém quer vê-los cheios. Ninguém quer ficar doente. Não é possível que esse tal novo normal seja tão burro que não possa entender isso.

Normal. O que é normal?

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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ARTIGO – E daí, presidente? Veja bem as valas sem velas. Por Marli Gonçalves

E daí? Daí que já há alguns anos vínhamos cavando um fosso profundo de desentendimento em todo o país, e cavando fundo, cavoucando, com uma oposição perfumada, egoísta, e que alimentou e deixou crescer um monstro, nutrido pelo radicalismo e ignorância. O que não sabíamos é que teríamos de usar esse fosso para hoje sofrer e enterrar tanta gente, e que não temos mais como recolher o lixo que ficou desse embate; nem como reciclá-lo. Precisará ser destruído, e o quanto antes

Não faz alguns meses e falávamos apenas em um país dividido em dois, numa luta política como se houvesse espaço só para duas direções, o bolsonarismo, se é que isso, esse horror, pode ser chamado de corrente política, e o petismo, dos adoradores incondicionais de Lula. Caminhar fora dessa estrada ficava cada vez mais difícil, atacados por ambos, cobrados, perseguidos, não houve argumentação capaz de alertar e nos livrar do previsível desastre para onde fomos levados.

Amizades se desfizeram, famílias se desintegraram nesse trajeto, o bom senso foi esculhambado, as notícias falsas brotaram, ervas daninhas entre um povo desinformado, mas ávido e rápido para largar, infelizmente, sua própria tradição de cordialidade, boa convivência, alegria e gentileza.

O prejuízo disso tudo, e que ainda continua de forma maligna, agora nos apresenta uma conta tenebrosa e vemos na realidade estarrecedora um país estilhaçado, estraçalhado, esmigalhado, doente, ainda mais miserável, ainda mais dividido. Centenas de mortes anunciadas diariamente ao cair da tarde; milhares de infectados por aí, infectando outros milhares numa matemática cruel e em marcha insana pelas ruas, além de imprecisa por falta de testes, de contagem, de recursos.

No jogo, uma bomba-relógio programada é jogada de um lado a outro, com requintes, cheia de culpas e ganhando mais força. Uma esmolenta ajuda emergencial obrigando quem necessita se expor a cada dia mais em filas dobrando as esquinas na porta dos bancos oficiais. A crueldade de exigir de excluídos de tudo a tal inteligência artificial e digital, equipamentos, compreensão de quem nem ao menos muitas vezes sabe ler, reféns de boatos que rolam gravados em mensagens espalhadas nas redes sociais, e que refutam e agridem a lógica, a ciência, a razão e as informações sérias. Que punem os profissionais da Saúde, da imprensa e agora até do próprio governo, com a troca de ministros minimamente atuantes por blocos insensíveis de gelo, subserviência, ou uniformes cor de oliva.

E o que é pior: as tais duas direções, a princípio opostas, parecem já se juntar lá na frente para  se encontrarem como pontas descascadas e nos atazanar em momento tão delicado, se igualando em alguns assuntos, nadando desesperados em braçadas para alcançar uma margem eleitoral que nem sabemos mais se estará lá quando tudo for amenizado. Uma competição mortal, dramática, aliada à pandemia, à expansão do vírus que freou o mundo e que traz em sua coroa ampliada o emblema da guerra.

O fosso se transformou em dramáticas valas comuns, marcadas a ferro e fogo desde já em nossas memórias, espalhadas nas capitais, em corpos enterrados sem choro nem vela, às pressas. Pessoas desesperadas nas portas dos hospitais, sufocadas, buscando o ar, sem vagas nas UTIs lotadas onde poderia ser encontrado, com hospitais de campanha sendo usados, mas ainda mais nos embates políticos do que na realidade. Faltam profissionais, respiradores, equipamentos de proteção individual, vergonha na cara dos governantes locais e suas desencontradas declarações e medidas, capitaneadas pelo governante-mor que, se Justiça houver, um dia deverá ser severamente punido e responsabilizado. Porque essa negação não lhe daremos o direito de ter.

Nas ruas deste país chamado Brasil a bandeira foi usurpada em carreatas da morte ousadamente vestidas de verde e amarelo e clamando pelo horror.

Nos olhos de fora de máscaras – quando estas não estão penduradas em pescoços ou deslocadas – se lê a aflição, o medo, o temor,  a dúvida do que sairá disso tudo, que normal será esse, se é que um dia poderá ser chamado de normal esse breve e agitado futuro que nos aguarda.

E daí, presidente?

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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ARTIGO – É fogo. É faca. Zune no ar a palavra. Por Marli Gonçalves

O brilho cego de paixão e fé, faca amolada”. As palavras podem ser tão cortantes quanto uma traiçoeira faca, que também nos atravessou – a todos – numa ensolarada tarde em Minas Gerais. Uma semana que jamais será esquecida, e que botou fogo em um museu, numa história, e criou uma outra que será levada adiante muito tempo, todas transmitidas ao vivo.

As pessoas estão tão loucas nesse nosso tropical país que não bastou o atentado a Jair Bolsonaro praticamente ser transmitido ao vivo, registrado por inúmeras câmeras de celulares, em detalhes e vários ângulos. Elas queriam ver o sangue, vermelho, muito sangue, como veem nos filmes – aquele ketchup que jorra nas paredes. Então, muitas duvidaram. Duvidaram. Duvidaram durante horas, mesmo com informações minuto a minuto sobre a gravidade do ocorrido. Aquela gigantesca faca que um ser brandiu e enfiou 12 centímetros no candidato e na democracia, ferindo-a e expondo – ainda mais – as suas delicadas entranhas.

As chamas, as labaredas do fogo que consumiu objetos e detalhes milenares guardados no Museu Nacional do Rio de Janeiro, ainda fumegavam, mostrando um outro lado do descaso, da incompetência, da barriga que empurra, da corda rota que se estica até que rompa, dando vazão a todo mal que seguravam. Nem os deuses e divindades gregas personificados em imponentes e trágicas estátuas que do alto do telhado daquele Palácio a tudo observavam, do nada que restou de seu interior, e que como que estranhamente protegeram a casca do Museu, nem o próprio Oráculo de Delfos, creio, poderiam prever mais fatos dessa longa semana.

É a desordem, mais do que algo fora da ordem, estamos mesmo em um país com os nervos à flor da pele, caótico, dividido, raivoso. Do fogo e da faca surge a ignorância total, o desconhecimento e a falta de compromisso com a lógica e com a verdade, coisas sobre a qual ficamos evitando falar para não parecermos uns melhores do que os outros.

É mais séria do que poderíamos prever, no entanto, a situação. Muito além do frigobar instalado com fios desencapados no quarto do imperador, que o diretor do museu fez de seu para gabinete. Além dos pedaços de reboco que caiam tentando alertar, calados apenas por espaços e portas fechadas ao público, como vendas nos olhos. Quantas situações parecidas acompanhamos ainda silenciosos? Quantas ainda serão reveladas?

A faca que parou o candidato Jair Bolsonaro

Na política, o fogo das paixões, o caldeirão fervendo, a água derramando, e uma incompetente escolta policial veio à luz no brilho da lâmina brandindo à luz do dia e em meio a uma multidão. Não consigo deixar de ironizar a cada vez que ouço falar em “inteligência” seja nesta ou em qualquer investigação. Andava observando que em todas as aparições o candidato que se fez pela truculência aparecia cercado de brucutus muito assemelhados inclusive à velha e terrível imagem da supremacia branca: caras enfezadas, postura agressiva, seguranças particulares, seguidores da doutrina da bala, do armamento. Mas como tudo parece apenas virtual…

Entretanto, a realidade é sempre cruel. Ironia ter sido uma faca, não uma bala. Não há muito o que pensar se o autor é ou não desequilibrado mental. Parece óbvio que não é inteligente, autor de um atentado estudado, planejado, pelo menos não por profissionais. Preso na hora, sortudo por não ter sido linchado, é o exemplo da disseminação do ódio nas redes sociais, estimulado pelos dois lados dessa corda, os dois extremos. Queria matar, parece que sim. Queria ficar famoso? Quem mais?

Agora é acompanhar a saga médica, que começou estrondosa. Salvo da morte que se apresentou com sua foice, pela equipe de Juiz de Fora, em horas já ocorreram conflitos de equipes dos dois hospitais que disputavam, de São Paulo, o show em que já se transformou essa recuperação, essa eleição, e tudo o que virá em seguida.

Vídeos, fotos, gravações e declarações dispensáveis feitas de dentro de uma UTI. Boletins anódinos. Desfile de visitas que se apresentam à imprensa que dormirá nessa porta durante dias. Cobri a permanência de Tancredo Neves no Incor há 33 anos e vejo a exata repetição.

Como já relatado por comentaristas, os nove segundos que o candidato contava agora viraram 24 horas diárias, sete dias da semana. Talvez alguns anos para todos nós.

Nosso destino mais uma vez se desenrola de dentro de uma UTI.

mao-faca

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Marli Gonçalves, jornalista – É fogo na roupa. Fé cega, faca amolada. Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada

Brasil, 2018

marligo@uol.com.br e marli@brickmann.com.br

ARTIGO – A espera é difícil. Por Marli Gonçalves

esperaJá percebeu? Passamos a vida a esperar. No final de ano, nessa época, fica ainda mais patente porque mostra que todo o tempo esperamos. Ainda mais e demais de tudo e de todos, de todas as coisas, dos dias que virão, e até de nós mesmos. E depositamos esperança, que nada mais é do que esperar o algo que mais desejamos. Contagens regressivas diárias que fazemos às vezes até meio distraídos; algumas esperas até impulsionam quando possível, aceleramos para tentar chegar ao seu fim o mais rápido possível, quando então se transformarão em realidade – e isso é sempre muito concretoespera-1

O compasso da espera – essa pausa que, em uma orquestra, se aguarda a vez de o instrumento entrar e participar da música entoada. O difícil é preencher esse vazio, atento, para não desafinar, entrar na hora errada, estragar tudo. A espera é prima-irmã da angústia. Mãe da ansiedade. A espera não contém certezas.

Continuo escrevendo para você sentada em uma cadeira azul, ao lado de uma cama de hospital de onde ainda não consegui arrancar meu pai. A cadeira é só um pouco mais confortável do que a anterior, já que agora ele foi transferido para outra enfermaria.

Em hospitais, por exemplo, a espera tem uma dimensão fantástica. Esperamos melhoras, a eficácia dos medicamentos, diagnósticos mais precisos, a passagem das longas horas dos compridos dias e noites, que as nossas orações alcancem os céus, a cura, que vençamos os embates e os jogos mortais. Todos aqui especialmente esperam. Talvez daí, pelo menos neste onde me encontro, tantas filas, uma das maiores e mais comuns expressões e formas de espera.

10, 9, 8,7,6,5,4,3,2,1…a contagem regressiva para o Natal. De novo, 10, 9, 8,7,6,5,4,3,2,1…e lá vai o ano acabar e chegar outro; dele se esperam soluções para nossos desencantos e a realização de nossos planos. Meia noite. Poucos lembram que, se essa mágica fosse mesmo eficaz, a passagem de um minuto a outro em alguns estados onde vigora o horário de verão a faríamos uma hora depois.

Pouco adianta dizer que na sequência continuaremos esperando tudo da vida. Esperaremos sentados ou em pé. O Sol e a chuva, o calor e o frio. As estações e as grandes datas; os feriados.

Esperaremos muito das pessoas; ou menos. Esperaremos as pessoas certas, e as ocasiões para cada uma delas. Os dois lados da moeda. Seu amor vir te ver.

Esperando uns governos melhores e um país, enfim, minimamente decente, terra da qual possamos nos orgulhar.

Continuaremos contando com a boa vontade, a solidariedade, a proteção divina, algo que teremos como certo ou provável, uma chegada ou partida. Esperando uma brecha, uma oportunidade, reconhecimento de algo que talvez seja como sempre esperamos.

Esperar é esperança. Essa virtude que almeja a vida eterna e o reino dos céus.

Os nossos atos que depositamos na mão de Deus, esperando que ele os julgue e decida o quanto precisaremos esperar para sentir Sua glória.

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20160813_143252Marli Gonçalves, jornalista As mãos em oração, como a pequena esperança verde quase transparente que se esconde nas plantas, mexe suas antenas e parece sempre implorar misericórdia.

São Paulo, Feliz Natal a todos, e que 2017 seja ao menos um pouco do que esperamos

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E-MAILS:

MARLI@BRICKMANN.COM.BR
MARLIGO@UOL.COM.BR

Tem foto mais dramática do que essa? Ou sou só eu que (não) vê o futuro delas? Microcefalia aos nossos olhios

Diego Nigro - 09.dez.2015 / JC Imagem

foto de DIEGO NIGRO – jornal do commercio – recife

MICROCEFALIA LOTA HOSPITAIS DE RECIFE

Quer saber quanto NÓS gastamos com a saúde DELES? Do @DiariodoPoder

  • porco chorandoQUE BELEZA, HEIN!?!

  • A Câmara dos Deputados gasta por ano R$ 2,7 milhões em convênios com os hospitais Sírio Libanês e Albert Einstein, de São Paulo, para atender deputados e ex-deputados, apesar de manter um completo e dispendioso Departamento Médico (Demed) – praticamente um hospital de primeira linha, com atendimentos ambulatorial e de emergência, dotado de laboratórios de análise e com capacidade de fazer cirurgias.

  • O contribuinte paga tratamento médico no Sírio Libanês e no Albert Einstein também para servidores efetivos da Câmara e dependentes.

  • medical_16Notórios

    A assessoria da Câmara esclareceu que não foi necessário fazer uma licitação porque os hospitais tem “notória especialização”. Ah, bom!