ARTIGO – Informações da imprensa. Juro. Por Marli Gonçalves

Sim, são informações da imprensa, e note que são elas que ficam entre as mais lidas dos principais veículos do país. Guerra? Até a mais recente já está indo para o rodapé. Privacidade já era, relações saem das quatro paredes e ninguém nem precisou espiar pelo buraco da fechadura ou fazer campana. As sagradas manchetes são marotas, armadilhas.

Jornalista há mais de 45 anos, com passagem pelos principais veículos, leitora atenta, e profissionalmente transmitindo informações sérias, mas que cada vez perdem espaço ou atenção. Não há como deixar de notar cada dia o quanto a imprensa mudou para pior nos últimos anos, na caçada por audiência, leitores, assinaturas, com a vida digital, podcasts onde as “celebridades”, muitas até questionáveis serem assim apresentadas sob este epíteto, se abrem. Ocupam amplos espaços, generosos, fotos, vídeos, chamadas na antes sagrada primeira página.  Para declarações fortes não há mais necessidade de insistir ou bebidinhas e outros aditivos, como na época do Pasquim e suas deliciosas entrevistas, com aquele grupo do primeiro time. Nem precisa. Para ganhar primeira página, seguidores, “visibilidade”, os entrevistados já vão com a polêmica na ponta da língua, se é que me entendem. Fofocas, e sexo, muito sexo, melhor se for com mais de um, ou assumindo alguma nova orientação. Flagrantes arranjados nem dependem mais de paparazzis, agora amados e bem pagos. Sorria, a pose é para um recebidinho daqui, dali, empina. Tudo rende para os citados. Fora os conselhos de saúde, ultimamente incluindo de cirurgias a cogumelos. As ridículas encenações de chás revelação de sexo rosa/azul de bebês ( quem inventou isso?). Ostentação. Redes sociais viraram as fontes escarafunchadas dia e noite, “segredos” revelados.

Para você se distrair, tive a paciência de reunir e misturar algumas das importantes informações dos últimos dias, que você pode ter perdido. Aliás, também não sei quem são muitas dessas pessoas, e no que podem mudar nossas vidas.  Mas dá pra dar boas risadas, principalmente com a forma dos títulos das manchetes.

‘Três anos que não coloco salsicha na boca’, conta Hasselmann sobre dieta. Confeiteira que fez bolo de R$ 58 mil para filha da Virginia presenteia Ana Maria Braga. Denise Rocha diz que já fez sexo por mais de 14 horas em um só dia. Luísa Sonza se revolta após público cantar Chico: “Vai se foder”.  Após passar mal, Virginia fica com rosto empolado por conta de alergia. Filha de Gloria Pires mostra luxuosa mansão da família em Brasília. João Guilherme e Maisa combinam fantasia e acendem rumores de affair.

Por que as pessoas dão cada vez menos tchauzinho no Zoom? Justiça bloqueia contas da ex-deputada Joice Hasselmann, mas acha só 5 centavos. “Estou me redescobrindo como pessoa”, reflete Camila Queiroz. Silvero Pereira escolheu música de seu velório durante tensão em voo. Anitta diz que emprestou calcinha a Luisa Sonza: “Auge da intimidade”. Jade Picon encontra gambá em casa e debocha do irmão: ‘Parece você’

Rico Melquíades revela que ficou viciado em remédio após críticas. Bocardi deixa jornalista sem graça com foto de bumbum de jogador: ‘Gostou?… Após noivado, Marina Ruy Barbosa mostra aliança de diamante em evento. Graciele Lacerda usa tênis furado e explica: ‘É de estimação’.

Formato de anel de noivado de Marina Ruy Barbosa tem mensagem oculta. Suposta ex-amante diz que Beckham traiu Victoria com modelo. Strippers, calote em hotel e vida em Miami: quem é o filho de Netanyahu, criticado por não estar na guerra.

Conheça a mãe de Isis Valverde, que assumiu novo namorado 30 anos mais jovem e recebeu críticas nas redes. Júlia Rabello diz ter pavor de suruba e como namora gringo sem falar inglês. Aos 67 anos, Fafá de Belém posa nua e recebe comentário da filha: ‘Gostosa’.  Azealia Banks chama Anitta de ‘aspirante de terceiro mundo’ e diz que sua carreira é um fracasso. Filha de Gugu, Sofia Liberato mostra antes e depois de transformação no corpo.  ‘Ninguém transa bem com 20 anos’: Luana Piovani opina sobre sexo na juventude e divide opiniões. Angélica não é a única: mais famosas contam que usam vibrador. Sandy diz que sabe ‘dar aula’ de masturbação e usa vibrador: ‘Eu sei ensinar sobre isso’.

‘Virou moda expor intimidade e uso de vibrador’, diz Tiago Leifert sobre famosos. Camila e Klebber, Angélica e Huck: famosos que usam vibrador no sexo. Lily está com piolhos? Nova fofoca de Simioni em “A Fazenda 2023” faz equipe da peoa tomar atitude. Após passar duas semanas sem fumar, Gusttavo Lima confirma ter adotado estilo de vida mais saudável. Renan Bolsonaro é confrontado sobre homossexualidade e abre o jogo. Luísa Sonza é flagrada aos beijos com bailarina em balada de São Paulo. Jade Picon empina bumbum de biquíni e hipnotiza com beleza natural. Simaria rebate críticas recebidas após sensualizar na web: ‘O peito é meu!’

Está bom para vocês? Informados? Posso ficar sossegada?

___________________________________________________

marli - imprensaMARLI GONÇALVES– Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Halloween mundial e real. Por Marli Gonçalves

Vai ser – na verdade até já é e está estranho – muito estranho – viver o Halloween este ano, uma vez que as bruxas já estão soltas, os esqueletos se espalham, fantasmas e almas surgem das tumbas dos bombardeios e as crianças que vemos – sequestradas, reféns, feridas sob escombros, órfãs, pedem doces ou brincadeiras, ou qualquer coisa para comer e beber. Pedem para sobreviver.

E olhem que o Halloween é na sua origem uma celebração de culto aos mortos. Por aqui as coisas são de plástico, aos montes enchem as ruas do comércio popular. Abóboras, morcegos, esqueletos, fantasminhas e fantasmões, fantasias de monstros e bruxas competem há dias com os enfeites de Natal nas vitrines – outra data que também já vimos não será fácil com a sua terra e origem religiosa sitiada, abalada pelo medo.

Guerras são sempre fora de hora, nunca param, parece que jamais serão banidas de nosso vocabulário. Os humanos se alimentam delas, os senhores da guerra, fabricantes da morte, os líderes religiosos e dirigentes, os países ricos, as instituições mundiais que se enfraquecem, inábeis ou mesmo inúteis. Vivem da destruição, dos conflitos, das questões geopolíticas intrincadas. Na do momento já perdemos jovens brasileiros, famílias, e as crianças e mulheres claramente são suas principais vítimas. Milhões de pessoas em todo mundo estão apreensivas e só isso já afeta e faz muito mal, e por um longo tempo, à saúde mental de todos.

A guerra nos ocupa. Parece que tudo segue para um segundo plano após a sua eclosão. O meio ambiente, os esforços globais para transformar e salvar o que há de se salvar da natureza para evitar os grandes desastres climáticos, estes a forma que a natureza encontra para sinalizar os limites das destruições, desce o patamar. Tudo entra em suspensão. Não bastou a pandemia.

Incrível ser muito chamada de guerreira tendo verdadeiro horror às guerras. A minha guerra, como a de tantos de nós, guerrilhas diárias, é particular, quase solitária. Vivemos e agimos com elas. Mas guerras de países, de ideologias, de territórios, perturbam sobremaneira, como devem perturbar a todos os que ainda tem sentimentos, e captam estas, sim, uma forte energia coletiva, a da apreensão. Onde tudo vai dar? Onde cairão os respingos? Do que a humanidade ainda é capaz?

Que nossos Santos todos – de todas as fés, religiões, credos – nos protejam. Aos ateus, que apelem ao mais racional para todos juntos tentarmos brecar essa terrível escalada de violência. Óbvio que no momento o conflito no Oriente Médio é o que assistimos horrorizados, o inferno aberto pelos terroristas, com o fogo e o cheiro da morte alimentado na defesa raivosa. Mas aqui também estamos cobertos de guerras e fatos.

Senão o que mais é a luta de “comunidades” contra “comunidades” no Rio de Janeiro? Os confrontos entre traficantes e milicianos, e destes com policiais, todos armados até os dentes, prontos a perder suas balas no corpo de inocentes?

O que fazer nesse país de dimensões continentais extraordinárias quando, de um lado, rios secam, florestas queimam numa estiagem sem igual; de outro, cidades inteiras boiando debaixo da água, inundadas pelos rios que sobem fora de seus cursos.

São todos fatos históricos, índices históricos que se sobrepõem acelerados dia após dia. No meio de um tempo de pouca gentileza e muito individualismo. Embora sabendo o que o contrário significaria, e querendo ainda viver muito, ando bem cheia de presenciar a história e os seus fatos, sem doces ou brincadeiras. Muito menos fantasias.

___________________________________________________

foto: @catherinekrulik

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Bom Dia. Veja só: começou mais uma guerra. Por Marli Gonçalves

Abra os olhos. Não dá pra desejar Bom Dia. Fomos dormir e na madrugada, distante, mas como se fosse bem ao nosso lado, a festa de música eletrônica é interrompida por bombardeios e ataques de todos os lados. Estamos em guerra também, de alguma forma.

guerra

Não consigo parar de pensar naquela turma toda que se divertia na rave baticundum, colorida, lisérgica, animada.  À altura do ataque, muitos já deviam estar se preparando pra voltar para casa, cansados. Outros, possivelmente estavam tão embriagados ou drogados que talvez nem tenham percebido o que ocorria, não tenham se dado conta, sem condições de correr, fugir, pensar. Encontros desfeitos, amores perdidos. Não se fez silêncio. Os sons do horror, imaginamos.  Centenas de mortos, tantos outros sequestrados e ainda em poder do Hamas, o grupo terrorista que abriu, na verdade, escancarou, a boca do inferno ao atacar Israel, começando pela festa mais próxima que encontraram do território que dizem defender.

A partir daí, da manhã do sábado, 7 de outubro de 2023, ninguém mais pode ter paz ao redor do mundo, que agora acompanha, alarmado, minuto a minuto, a escalada do conflito. Seja por ter alguém ainda ali por perto, seja por esperar que este alguém seja resgatado em segurança, seja por saber que ali na verdade nada mais pode ser considerado seguro, em qualquer dos lados, nenhum lugar. As bestas foram soltas, e não sabemos o que fazer para que retornem. No fundo, no fundo, intuímos que não há mais, mesmo, volta. Mísseis cruzam os céus, exércitos de drones furam bloqueios, milhares de jovens agora são convocados para fronts de sons malignos, atendendo a ordens de vida e morte.

Elementos que conhecemos, polarização, religião, violência, raivas históricas, se misturam. Líderes totalitários lutando pelo poder, mesmo que nem sempre – quase nunca – representem a vontade de seus liderados, e serão eles, nós, os atingidos. Os fatos se repetem em escala maior ou menor ao redor do planeta, e nem todos percebem sua real gravidade, repetindo um mantra de que é coisa de lá de longe.

Mas esse longe se aproxima. E a diferença é que acompanhamos a realidade como quem vê filmes no streaming.  As imagens são abundantes e, ainda, além, das produzidas pelas máquinas de guerra onde a primeira vítima é sempre a verdade.

Se foram mortos decapitados, dentro de suas casas, nos bunkers onde se abrigavam pensando que todos os ataques viriam apenas do céu. Se estão morrendo de fome, sede, em seu êxodo, mulheres e crianças, ouvimos seus choros, os gritos, vemos corpos espalhados, funerais coletivos, vilas e cidades inteiras arrasadas. Como é possível apoiar qualquer um desses lados? O que ataca se foram atacados, o que reage, e nesse caso em uma correlação de forças praticamente desleal, e foi inacreditavelmente a parte mais fraca a que botou fogo no pavio. Como descrever o turbilhão de sentimentos que afloram nos povos envolvidos que também passam a se debater além daquelas fronteiras?

Viramos imediatamente, além de técnicos em futebol, especialistas em guerra, geopolítica, ideologias, uns cobrando aos outros posições, como se estas pudessem extinguir o mal maior dos extremistas. As redes sociais repletas de imagens como se todos estivessem na cobertura aguardando – em suas salas seguras – invasões, explosões, a destruição de entradas e saídas, as ainda inúteis tentativas diplomáticas.

As informações desencontradas, os apelos de familiares em busca de desaparecidos. E, ainda, completando, as ridículas brigas entre jornalistas procurando palavras com lupa em matérias e  comunicados oficiais, mais uma vez certificando a polarização, a identificação como terroristas ou não, quando tudo isso já está tão claro diante de nossos olhos. Sempre esteve, mas estamos com o terrível hábito de justificar guerras, muitas empurradas pelo tempo, ódio acumulado, esquecidas pelos continentes. Até que nos atinjam, como esta agora, contrapondo dois povos com direito a viver e em paz, cada um em suas terras.

Embora não exista mais qualquer lugar seguro – e isso é evidente.

guerra

___________________________________________________

foto de @catherinekrulik

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Não existe Democracia com facções. Por Marli Gonçalves

Não há democracia quando chegamos a um ponto em que continuamos nessa toada, misturando facções, chacinas, supostos suspeitos, justiçamentos, guerras, ações policiais, noticiário do dia esquecidos à noite, ou melhor, atropelados e abafados por coisas ainda piores, mentiras espalhadas, e especialmente aparentando certa normalidade como se normais os fatos fossem.

democracia

Não há nada de normal. Nada. Não se pode aparentar normalidade quando se insere nos grupos de poder e ação fatos complexos como os que presenciamos. Quatro médicos conceituados, no Rio de Janeiro para participar de um Congresso internacional, atravessam a rua diante do hotel onde se hospedam para aproveitar o beira-mar em um dos quiosques da orla. Um carro para e dele descem três homens que metralham o grupo sentado à mesa. Em 30 segundos três deles estarão mortos, um ferido seriamente, e o Brasil todo abalado. Depois, em menos de 24 horas, caso “resolvido”. Como se a vida pudesse voltar ao normal. Inclusive no próprio quiosque que poucas horas depois recebia alegremente seus clientes, sentados na mesma mesa com marca de tiros e certamente rastros de sangue. Um jornalista até reparou que sobre ela botaram uma garrafa de pimenta, ao lado dos guardanapos. Um requinte incomparável.

Traficantes teriam confundido um dos médicos com um miliciano marcado para morrer porque tinha matado um traficante líder. É guerra na Zona Norte do Rio de Janeiro. Guerra pelo poder e comunidades. Guerras que se espalham pelo país. Todos matam e muito. Polícia, milicianos, traficantes, golpistas. Vou incluir aqui também bolsonaristas inescrupulosos que distribuem o ódio, a ode aos armamentos que se espalharam como nunca, sempre tentando atentar contra o que for contra os seus preceitos, sejam religiosos, estéticos, políticos ou comportamentais. Distribuíram com rapidez recorde sua baba sobre a deputada Sâmia Bomfim, do PSOL, irmã de um dos médicos assassinados. Crueldade e oportunismo.

O caso teve repercussão mundial. Em poucas horas, resolvido. Pela polícia? Um pouco, sim, porque todas foram para lá. Mas, mais do que isso, os culpados pelo ataque não amanheceram o dia seguinte, não viram a luz do outro dia: pena de morte. Da Justiça? Não! Dos próprios traficantes do Comando Vermelho que não perdoaram o erro que tanta atenção chamou e os quatro assassinos trapalhões foram condenados pelo seu “tribunal”. Tribunal? Se reuniram na comunidade, com algum juiz ou autoridade? Não! Estavam presos no complexo penitenciário do Bangu 3 e em videoconferência deram a ordem. Julgaram. Fim.

Você entendeu bem. Vou repetir: decisão tomada em videoconferência de presos dento do Presídio de segurança, onde inclusive deveriam estar funcionando bloqueadores de comunicação. Resultado final: três médicos mortos por engano, mais quatro traficantes, esses com corpos encontrados espalhados na região, punidos imediatamente por terem errado ordens de seus líderes. Sete mortos. Chacina.

Percebe que falamos de milicianos e traficantes como se eles fossem praticamente membros da sociedade? Normalmente, a sociedade civil tem instituições, como a ABI, OAB, entre outras. O poder paralelo não é uma instituição, mas é quem tem dado as cartas, inclusive de dentro das instituições oficiais. Polícia para quem precisa. Os caras sabem exatamente quem manda no quê, onde lideram, seus nomes e até apelidos. Ouvem as suas conversas em investigações lentas, que duram anos, como se tivéssemos todo o tempo do mundo. O erro do ataque aos médicos foi detectado logo porque há um grupo sombra, assim se denominam, que já ouvia há um ano e meio as conversas e ouviu mais essa que percebeu que os médicos foram executados porque um deles era mesmo a cara do miliciano marcado, o tal Taillon, que inclusive, sabe-se, mora ali bem perto, também na Barra da Tijuca.

O reconhecimento facial deles está com defeito, e ainda podemos todos ser confundidos. Eles mandam e desmandam. É Comando Vermelho, Amigos dos Amigos, Terceiro Comando, Primeiro Comando da Capital, PCC, Primeiro Comando Mineiro, Paz, Liberdade e Direito, Comando Norte/Nordeste, Bonde dos Malucos, nomes de facções criminosas espalhadas de Norte a Sul do país – já se conta que há 53 delas. Fora as milícias, grupos paramilitares se espalhando e impondo terror onde se infiltram como cupins, dominando e amedrontando comunidades inteiras.

Não aguento mais ver – neste e a cada caso frequente – a cara de tacho das autoridades, de todos os níveis, com seus terninhos e caras consternadas dizendo que estão sendo tomadas providências, que investigações estão em curso. Inaceitáveis explicações em gerúndios.

Não há democracia que sobreviva a essa insegurança. Não há democracia.

 ___________________________________________________

MarliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO- Por onde você começa? Por Marli Gonçalves

Por onde você começa quando tem de solucionar algo? Não, não precisa ser necessariamente um problema. Qualquer coisa. Digamos, sei lá, até para comer uma coxinha, tem de pensar: vai morder primeiro a ponta? Parece mesmo que tudo na vida começa por alguma decisão – não é por menos que vivemos tão cansados.

Festa Fácil

Vou por ali, por aqui, pelo meio, como chegar onde é necessário. O tal primeiro passo. O exemplo da coxinha, daquele formato que obriga a decidir por onde começar é só um deles, simplista, mas claro que a gente está falando de coisas mais sérias. Tudo parece que abre estradas à frente, à direita, à esquerda, ou mesmo ao recuo, voltando atrás.

Textos, como este, por exemplo, tem quem os comece pelo título. Há os que primeiro escrevem tudo. Ruy Castro me disse uma vez que sempre escolhe o título por último. Eu costumo pensá-lo antes, principalmente quando formulo uma pergunta. Mas também posso mudar tudo, rever, sem problemas.  De qualquer forma, assim é a essência da liberdade, o poder mudar, inclusive no meio do caminho. Um dia começar a coxinha pela ponta, outro pela parte gordinha. Não resistir e quebrar a casquinha do sorvete por baixo, mesmo sabendo que vai se melar e lambuzar inteiro.

Os começos são sempre horas de necessitar decisões. Sejam eles começos de semana, de mês, como o que já chega agora, mais um desse ano que parece estar correndo sob nossos pés como uma esteira em velocidade, ou de ano que já se anuncia, o 24. Tenho ouvido falar de Carnaval, adiantando-se até ao Noel. A movimentação eleitoral chacoalha cidades e poderes, começa até a tomar providências, movimentando os atrasados, enchendo as ruas de obras acumuladas, tudo para que a gente perceba o quanto querem permanecer, e como são eficientes; aceleram só ali perto da hora da chegada.

Em todo momento de alguma forma estamos ou começando ou pensando em começar algo, que também significa decidir. Desde o lado da cama que dorme, se vai agora ou depois, se aceita ou nega, se lê ou apaga, se revida ou não. Se busca alguma verdade que intui ou se deixa por isso mesmo. Tudo traz consequências e que só serão mesmo conhecidas depois – como seria bom se tudo pudesse ser planejado de verdade, como insistentemente nos fazem crer, que tudo é linear, que se formos assim, assado, assim será.

Temos visto constantemente o quanto não é bem assim, e invariavelmente nos pegamos perplexos por ter feito tudo direitinho, mordido primeiro tudo o que precisava, e sermos colhidos de surpresa. Observamos, então, o quanto a interdependência é cruel.

___________________________________________________

MarliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Calor Urbano. Por Marli Gonçalves

Se não há calor humano, esbanjamos calor urbano. Mais prédios brotando, fechando as correntes de ar, destruindo a natureza além da memória da cidade. Sol ardendo, na aridez. Arte aqui em São Paulo, além de viver e sobreviver, são ovos estalados no asfalto da avenida do dinheiro. A cidade ferve e a primavera grita, muito mais quente do que o normal.

calor urbano

Não se fala de outra coisa, não se sente outra coisa. O calor. Claro, o calor fora do normal, que calor em si é bom demais. Para quem pode e na hora que pode. Bom para quem tem sombra, água fresca e a cabeça tranquila, que cabeça quente piora muito as sensações de aperto, suor, a dor de cabeça e a respiração ofegante do correr atrás. Uma praia, ondinhas, coco gelado, cervejinha, sorvete, essas coisas que devem estar permeando os sonhos de muita gente, me incluo. Já despertei quando me sentia dentro do mar, nua, chapinhando na praia de Tambaba, Paraíba, entre as pedras, brincando com argila natural, vendo peixinhos coloridos, coisas de um sonho de consumo que não morro antes de repetir de verdade.

Enquanto isso não tem condições vou continuando na briga, luta, #arvorenãoélixeira. Árvore não é lixeira, pelo amor de Deus! Nesta cidade grande as pessoas são loucas, não dão valor ao que as árvores podem nos facilitar em momentos como esse, e socam lixo de todos os tamanhos e tipos aos seus pés, como se fossem elas algum tipo de marco para que os profissionais de limpeza localizem para recolhê-los. Fora o cupim, as podas malfeitas, as pragas não combatidas, os assassinatos lentos, as árvores vão tombando e às vezes matando como se descontassem em alguns seus sofrimentos. Quanta encrenca já arrumei para explicar algo tão simples. Mas não adianta, e estou falando de áreas nobres da cidade que percorro.

A cidade mais rica do país, mas que não tem infraestrutura adequada, água para todos, cidade que ainda exibe rios gigantescos poluídos e esgotos a céu aberto, em dias de calor tem outra característica: cheiros, e muito poucos bons; na verdade, bons só em ruas de comércio requintado, vindos dos perfumes exalados das lojas numa concorrência doida, e às vezes até enjoativos de tão fortes. Algumas marcas até vendem seus cheiros em sprays. No geral o que sentimos mesmo é o cheiro tenebroso vindo dos bueiros sempre entupidos, do xixi e fezes dos milhares que vivem nas ruas, e na falta de banheiros públicos, aliás também de muita gente que se alivia atrás de bancas, muros e… árvores!

Leques já começam a ser abanados, e ventarolas de papel, qualquer coisa que faça ventinho e possa ser balançada junto ao rosto. Os mini ventiladores movidos a pilha já devem estar bombando nas ruas do comércio popular. Outro problema: amado por uns, odiado por outros, os aparelhos de ar condicionado sempre mal regulados que encontramos no entra e sai de um dia nas ruas. Não há saúde que aguente, inclusive porque muitas vezes são eles focos de muitas bactérias, além da geleira e do choque térmico, como se não bastasse a já estrambótica amplitude térmica, em 24 horas, que já beira até 20 graus nesse mundo com o aquecimento global batendo na porta – ou melhor, entrando fervendo sem pedir.

E o menino? O El Niño? Já o chamam de Super El Niño. Claro que já ouviu falar que pode ser ele causando essa onda atual de calor. Mas ele nem se instalou ainda, imagine! Apenas se aproximando. Esse doido que pode se estender até o verão do ano que vem chega para bagunçar, molhar mais, secar outros, esquentar as panelas dos oceanos.

Chapeuzinho, óculos escuros, filtro solar, alguma sombrinha, água, água. Abaixo gravatas, ternos, meias e muito mais! Como já disse, calor é bom – sem dúvidas, melhor que o frio para o qual esse nosso tropical país não é nem um pouco preparado. Mas nesse momento e pelo que sabemos só piorando daqui em diante, precisa ser observado especialmente pelas ciências, todas, inclusive as que lidam com comportamento humano. Como registrei no artigo passado “Tá todo mundo louco. E não é ôba” imagine só o que cabeças quentes podem fazer acontecer por aí.

___________________________________________________

MARLI CG ABRILMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Tá todo mundo louco. E não é ôba. Por Marli Gonçalves

Meses já passaram desde que começamos a respirar ao menos um pouco mais aliviados após a maldita pandemia, embora sobressaltos aqui e ali sejam praticamente impossíveis de serem contidos. Mas agora as portas estão sendo abertas ou reabertas e vêm liberando umas coisinhas bem esquisitas. Vejo e escuto relatos chocantes, bem mais até do que estes.

Uma moça tenta entregar um panfleto do montinho que tem em mãos. São de um prédio ali próximo, em construção, no Bairro de Pinheiros, onde do dia para a noite brotam cada vez mais empreendimentos imobiliários, entre os muitos que vêm pondo ao chão a memória de toda a cidade de São Paulo. Uma mulher passa, não aceita o panfleto ofertado, o que lhe é de direito, mas, não contente, passa a agredir com fúria a divulgadora com toda sorte de palavrões, acusando-a aos berros de ser ela – a coitada – a culpada pela deterioração do bairro inteiro. Obrigando, com tal fúria, até a haver intervenção dos passantes para contê-la e assim poder amparar a desnorteada agredida que chora copiosamente.

No ônibus preso ao enorme engarrafamento causado por obras mal programadas pelos poderes públicos em uma das maiores vias de São Paulo, Avenida Santo Amaro, uma idosa entra e dali mesmo da porta começa a culpar e xingar o motorista, o cobrador e quem mais pudesse pelo atraso da chegada do coletivo ao ponto, como se aquilo fosse uma afronta especial a ela, como se fosse a única afetada, uma privilegiada que não deveria passar por aquilo, soltando cobras e lagartos mesmo diante dos outros aflitos passageiros, muitos trabalhadores que chegam a levar até de 3 a 4 horas para se deslocar de uma região distante onde moram até o trabalho, ida e volta chacoalhando, parando, pulando de condução em condução, também com nervos à flor da pele.

São bombas ambulantes que podem se encontrar e explodir, barris de pólvora prestes a entrar em combustão, e não há esquadrão de explosivos – no caso, de apoio à saúde mental, bombas sociais, psicológicas, psiquiátricas – atento o bastante ou capaz de desarmá-las a tempo de evitar os horrores de violência, os rompantes mortais, desinteligências que assistimos diariamente, além do temor da violência criminosa, da fuga diária de tentativas de assédios e golpes sejam estes digitais, presenciais, amorosos, religiosos.

Não que antes fosse melhor, mas o que assistimos agora deveria ligar o alarme, entender o que pode ter sido causado pela forma, plantação de ódio e mentiras, a polarização política que ainda se mantêm inalterada e em níveis escandalosos. O calor. O frio. O medo, o desalento. Pessoas falando sozinhas discursando para seres imaginários. Uns achando que são melhores do que outros, muitos reagindo às conquistas das minorias. Individualidade, falta de gentileza, de empatia, de convívio e desrespeito ao coletivo e, ao mesmo tempo, uma apatia generalizada, uma multidão de cabeças abaixadas. Um perigo sem dimensões levando a situações inimagináveis e à ascensão de perigosos lideres extremistas, este sim, os atentos a ganhar poder na manipulação da sociedade doente.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – O Grande Balé dos Poderes. Por Marli Gonçalves

Poderes, dos maiores aos descarados minúsculos, não faltam por aqui. Volitam nos palcos e no Salão de Baile Brasil. Todos nos convidam – na verdade, obrigam – diariamente a assisti-los dançando os mais variados ritmos, quando rodopiam diante de nossos olhos como se amanhã não houvesse.

o grande balé dos poderes

Há os grandes poderes, os tais três, Legislativo, Executivo e Judiciário. (O Quarto, extra, a imprensa, tem vindo a reboque, numa espécie de assistência da janela de onde de vez em quando avistam desafinados, traições, descompassos). Vestem-se com garbo, sapatos lustrados, muitos cabelos acaju, ou negros como as asas da graúna, e admitem apenas algumas mulheres na rodinha que fazem para confabular, disfarçar, criar e ensaiar os seus movimentos, metas e passos; e vale dizer, como uma generosidade, uma concessão, um espaço, como quem guarda uma vaga com caixote até que ela precise ser usada. Está ouvindo?

Todas as épocas, todos os governos, sempre assim, movimentam-se juntos, para a esquerda, direita, centro, centrões, centrinhos, de acordo com o tilintar, o vento, os votos, o maestro que está no púlpito, agitando a batuta, as benesses, os cargos e acordos. O sininho. Seus movimentos – pelo menos nas décadas em que os assisto – são repetitivos, e aqui e ali até ensaiam alguns novos passos que chegam a divulgar, antes de esquecê-los nas suas próprias coreografias; ou seriam biografias?

Os imagino ensaiando, muitas vezes em sigilosas reuniões onde uns são convidados, um, por vezes mais alguns, no interior de residências oficiais onde chegam com seus seguros carrões de vidros escuros. Cheeck to cheek. Vão combinar algo, que logo saberemos, fingindo surpresa, e vendo todos os outros pequenos poderes se organizando para aplaudi-los. Após o regabofe surgirão sorrindo aglomerados na porta dessas casas. Os que dançaram. Os que entrarão agora. Os que se salvaram, pelo menos por enquanto. Outros se retiram pelas portas dos fundos, ressentidos, tuitando os caracteres possíveis. Não os tiraram para dançar. Os tiraram.

Penso como protegem suas estratégias. Qual o perfume. Nesse abraço para a valsa sussurram um aos ouvidos dos outros? Suspiram perto dos pescoços que alguns gostariam mesmo é de morder arrancando sangue, mas disfarçam enroscando as mãos nas cinturas, quando conduzem os movimentos, sempre perto de alguma saída. Rodopiam. Pisam nos pés? Qualquer tropeço ou discordância trocam de par. Uma visão mais burlesca da cena até poderia ser aquele tipo de show de inferninhos onde se enche de notas amassadas as ligas de quem se apresenta no palco, e que quanto mais dá, sorri e mostra, mais ganha.

As mãos, estas sempre se movimentam. Para bater no peito, como patriotas. Apertam outras, que os grandes Poderes sempre tentam exalar, quando juntos em público, paz e conformidade, seja envergando uniformes militares com vistosos galardões, negras togas alinhadas, ou gravatas de seda, adornos de relógios de marca, placas e títulos de líderes, vice-líderes de algo, sejam partidos, bancadas, federações. Cliques espocam, garantindo que as cenas estejam registradas, que se diga que há uma paz selada. Um acordo fechado, em meio a tanta simpatia. A partir daí comentaristas farão suas longas e óbvias análises, consultarão suas fontes, e tudo estará consolidado. A coreografia será executada, com ou sem barulho, no chão previamente encerado, com o texto do script distribuído.

Segue o baile. O Grande Balé dos Poderes. Alguns usam “tutu”. Outros, Fufuca.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Setembro e suas previsíveis previsões. Por Marli Gonçalves

Setembro é lindo. Setembro é quente. Florido e colorido, que lá vem a primavera. E previsível por aqui, como há muito andam as coisas, sem sossego, para o país sempre obrigado a perder tempo. Bem, sempre tem espaço para alguma novidade que o Brasil não é mesmo para principiantes

Setembro e suas previsíveis previsões

Já devo ter contado que durante um tempo – e há décadas – fui também Yazodarah, um dos pseudônimos que mais gostei entre tantos outros que utilizei para escrever em uma publicação que, digamos, não tinha muitos colaboradores, embora parecesse, tantas eram as páginas, os assuntos cobertos. Não recordo exatamente como cheguei nesse nome, mas certamente o foi com a colaboração e aprovação do genial Antonio Bivar, com quem dividia à época o trabalho de edição.

Você deve saber que pseudônimo é um nome inventado, atrás do qual a gente “se esconde” ou quando não podemos ou quando não queremos assinar com o verdadeiro o que escrevemos; ou mesmo para, como no caso, dar asas à imaginação em outros temas, assumindo como que uma personalidade inteiramente diferente. Yazodarah era mesmo quase um heterônimo, como os tantos consagrados por Fernando Pessoa. A diferença entre pseudônimo e heterônimo é relativamente simples: quando o assumimos, formamos toda uma outra personalidade. Yazodarah, na minha criação, buscava e detinha conhecimentos esotéricos, astrológicos e de previsões. Me sentia com um turbante na cabeça, visão aguçada e preparada que podia até ler uma bola de cristal ou as cartas de um tarot.

Nyoka, Princesinha da Selva, que hoje uso para o nome de minha gata, era uma personagem punk mal humorada, crítica, pegava pesado, aparecia quando falávamos mal de algo que não gostávamos, mas não podíamos perder os anúncios, nem a amizade dos alvos retratados. Melissa Manchester era uma boazinha, que via tudo cor de rosa, e que aparecia especialmente quando era praticamente obrigada – sim, acontece – a falar muito bem de algo. Tinha outras. Quando sentávamos para escrever com estes nomes éramos mesmo outras pessoas. O gênero não fazia diferença, como transformistas. Podíamos praticamente nos ver diferentes nos espelhos, como atores e atrizes, creio, fazem em seus espetáculos teatrais, área na qual Bivar, inesquecível como Aurore Jordan, mais um ser maravilhoso entre os que perdemos na maldita pandemia, se consagrou, premiado. Um marco em minha vida esse conhecimento usado muitas vezes nem só para escrever, mas para lidar melhor diante de algumas situações.

Mas falávamos de setembro. Chegou, e a gente já sabe – não precisa nem ter desenvolvido qualquer tipo de mediunidade –  que vamos diariamente ver cintilar o desenrolar do caso das joias com seus diamantes, rubis e muitas outras histórias mal contadas que poderão, enfim, com mais essa, e como se precisasse, provar o quanto passamos por poucas e boas com o ex-grupo do poder, que tanto pensou em nele se perpetuar até pela força com a qual se entranhou na população, encharcada em negacionismos, patriotismos e outros ismos.

Aliás, não vai ser pouca coisa também o que deve chegar vindo do atual grupo que voltou lá do início do século, mas não atualizou o modelo; só trocou um farol aqui, outro ali. Com comunicação impressionantemente problemática, ouviremos mais falas descontroladas, explicações absurdas, negociações esquisitas como moedas. Da área da Suprema Corte que hoje decide, impõe, restringe ou assegura mínimos detalhes ficaremos pasmos com os votos monocráticos. E com as opiniões do pálido, o mais novo e conservador agora ministro, agraciado com questionáveis louvores pelo grupo do presidente. O que não dá para entender é porque é que agora eles estão tão surpresos e indignados com os votos onde já se mostra. Exatamente o que era, sempre foi e será.

Aqui em São Paulo, o governador “Penélope” continuará a fazer de dia e desfazer à noite, ou vice-versa, anúncios, promessas, planos e garantias, tentando lidar com a corda bamba de ser ou não ser ligado que já foi a tudo quanto é lado. Seus secretários também marcam pontos de ruindade, prontos a ir para a prancha da demissão, vide o tal da Educação que já está na hora extra, socorro!

Ainda bem que esse mês tem também celebração da Independência, Dia do Irmão, Dia do Sexo, do Frevo, do Cerrado, tantos outros. E de Cosme e Damião quando todos podemos virar crianças e recordar a época que nos lixávamos para o que o futuro traria.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Cracolândia ou Terrorlândia: a cidade que anda. Por Marli Gonçalves

Cracolândia, este é o assunto de hoje. Aliás, de ontem, de amanhã, de anos a fio, sem solução e só piorando em proporções. Uma “terra” móvel, como imigrantes ao mar, só que aqui no asfalto, debaixo de viadutos, espalhada, sem salvação, nem beira de praia. Nessa terra não há cavaleiros andantes, nem moinhos ou Dulcinéias, embora alucinações por ali sejam constantes. Há um êxodo de seres se movendo para lá e para cá na Terrorlândia.

CRACOLÂNDIA OU TERRORLÂNDIA
Praça Princesa Isabel, Centro de São Paulo, quando ocupada como Cracolândia

Difícil descrever com exatidão o que se vê distante nos noticiários, mas nunca tão perto para resguardar a segurança de quem produz imagens. E nenhuma sensação é tão forte quanto ver na realidade, cara a cara, passar por ali e tentar, mesmo com muito medo, deter o olhar naquelas pessoas transtornadas e deformadas que se deslocam pelas ruas do centro de São Paulo.

 Atravessam ruas, se jogam diante dos carros, maltrapilhos, cobertores às costas, às vezes sobre as cabeças como tenebrosos fantasmas cinzas. Alguns dançam, com esgares, uma música silenciosa, interna, na viagem alucinada que fazem sob efeito de drogas cada vez mais pesadas, químicas, crack, K-9, misturadas ninguém sabe mais ao quê e que consomem em cachimbos, da forma que as obtêm, em pacotinhos, pinos, comprados com o que roubam, ou com a entrega muitas vezes de suas próprias roupas, com o pouco que ainda lhes resta. Parecem sempre espantar demônios. Seus corpos executam movimentos e posições inimagináveis desenhadas por delírios, expostos em gritos de bocas desdentadas, olhos esbugalhados em rostos definitivamente destruídos.

Homens, mulheres, muitas arrastando crianças, não há gênero possível de ser identificado quando todos viram zumbis e como nos filmes se juntam, quando parecem todos iguais, e são realidade. Não, não são todos iguais. Um olhar atento consegue praticamente identificar os que ali estão há tempos, os que estão no fim e os que chegaram há pouco, diariamente. Basta reparar se ainda tem cabelos, ainda um brilho no olhar, se algo limpo cobre seus corpos, muitas vezes até uma roupa de grife aponta para jovens de classe média que logo se perderão entre outros, ali no meio do lixo, jogados nas sarjetas, no meio fio, andando para lá e para cá desde que foram espalhados como infestação de baratas diante de coturnos.

De um lugar, ocupado desde os anos 90 perto da Praça da Luz, a que se costumou chamar Cracolândia, foram empurrados e se acomodando na Praça Princesa Isabel, Avenida Rio Branco, pontuada pela imponente e eminentemente de ode militar estátua de Duque de Caxias, montado em seu cavalo, atitude e espada em riste. Esculpida por Victor Brecheret, 48 metros de altura, inaugurada em 25 de agosto de 1960 o monumento fará agora 63 anos. Até 2008 era a maior estátua equestre do mundo, uma curiosidade no meio dessa tragédia humanitária diante de nosso nariz. Agora a praça está cercada.

Ali tudo ficou parecido a um enorme campo de guerra, confinado, barracas de sacos plásticos presos, famílias inteiras em situação de rua. E sempre programas e programas de nomes bonitos sendo anunciados governo após governo como solução, um depois do outro, todos fracassados: Recomeço, Braços Abertos, agora o Redenção, esse que tropeça na região há mais de quatro anos, o coturno que tirou todos da Praça e os espalhou, descontrolados, agora o fluxo levando terror ainda maior à região, sujeita a mais invasões e arrastões à luz do dia, assaltos, gangues, mortos, feridos, quebra-quebras: a Terrorlândia nasceu. Diariamente, embates com policiais e comerciantes desesperados com o fim de seus negócios, ruas inteiras dominadas.

Óbvio é que há comando superior, poderoso, na distribuição das drogas, em bancas a céu aberto, e dali só saem presos os peixes pequenos dessa terra maldita. E pululam medidas de mentes “brilhantes”, como a isenção de IPTU desenhada como a cara deles, um quarteirão sim, outro não; uma esquina, como se isso resolvesse algo e não fosse geral a lambança. Entre as tentativas mágicas das autoridades que batem cabeça e cabelo, mais uma. Agora chama, em inglês, “Hub”, o centro de tratamento mais próximo, que era Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas).

Solução eu não tenho, infelizmente. Nem eles; e a Terrorlândia já é uma das maiores desgraças nacionais, como se ainda estivesse faltando alguma para a gente contar.

___________________________________________________

marliMARLI GONÇALVES Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

______________________________________

Camelôs, muambeiros e sacoleiros. Por Marli Gonçalves

Eles viraram, durante e após o período que governaram o Brasil, camelôs, muambeiros, sacoleiros. Se papai vivo estivesse, estaria assistindo aos telejornais e resmungando, tenho certeza: “esses cabras são mais sujos do que pau de galinheiro”, que ele não deixava por menos.

O assunto é fácil de entender claramente, e só não o fará quem estiver dopado, ensopado, enganado e contaminado pelas mentiras que nos últimos anos nos cansaram, nos deixando esgotados a ponto de, pelo menos eu, rezar para que esses nomes todos sejam esquecidos, mas parece mesmo impossível. Fatos vergonhosos, que nos atingem como Nação e como um povo que de um tudo faz para melhorar sua imagem no exterior, sempre estereotipada. Escândalos em cima de escândalos e esse último que nos chega ao conhecimento, com provas, imagens e detalhes, mostra o quanto esse grupo travestido de verde e amarelo pode ser tão, tão, tão…_______________ (vou deixar para o(a) querido (a) leitor(a) completar, porque agora, no calor, nada que me veio à cabeça para definir seria publicável em veículos de respeito. Teríamos de tirar as crianças da sala).

Não bastou o avião cheio de drogas. As motociatas pagas com dinheiro público, a ocupação, as fake news, o horror e ignorância. O negacionismo que nos atrasou e deixou que a pandemia matasse mais e durante mais tempo até que as vacinas chegassem. Não bastou os constantes e agressivos ataques às mulheres, aos repórteres, aos gays e minorias, as frases de mau gosto, aquele sorrisinho sarcástico com os olhos injetados. Aquelas continências e incontinências militares, o cercadinho, os cortes de verbas para as áreas sociais, o esquecimento de programas, a perseguição aos cientistas. Não bastou serem de direita, e acharem isso lindo. A boiada passando, queimando, corroendo nossas matas. As declarações de ministros e autoridades citando como suas frases nazistas. Um negro contra a luta pelo fim do racismo. As poucas mulheres do poder predominantemente masculino fazendo muxoxo das lutas femininas e feministas. Uma primeira dama de joelhos, terrivelmente evangélicos, entoando cantos incompreensíveis. O rosa e o azul definindo gêneros. Os planos de ficarem grudados no poder.  A lista é ainda maior.

Agora surgem os aspectos deles camelôs, muambeiros, sacoleiros, formando um grupo de ação “entre amigos” ampliando em benefício próprio um gigantesco e milionário butim, que pelo que vemos ainda tem apenas uma ponta do lençol levantada. Não é igual quando a gente ganha um presentinho repetido ou que não goste e que o repasse. Trata-se de joias, pedras, relógios, objetos de luxo, esculturas folheadas que atraíram a cobiça deles a ponto de levá-los embora do país na calada do fim do ano e de governo, nas sacolas que passavam livremente nos corredores do poder. Postas à venda. Até em leilões. Embolsaram, isso, foi pro bolso, em dólares. Mais um escândalo para a nossa coleção nacional, essa sim, uma coleção que não para de crescer, governo após governo.

Daqui imagino os chefes árabes que ofertaram os presentes ao saber dessas notícias nesse momento se reunindo em suas tendas para fumar um charuto e dar boas risadas entre eles, por exemplo, no caso da palmeirinha que tentaram vender achando que suas folhagens eram de ouro, e descobrindo que apenas eram folhadas, de pouco valor. Tinha um barquinho também. Ouro de tolos.  Sacudindo as joias que usam, como sinhozinhos maltas, devem rir muito do olho que esses brasileiros espicharam para os vistosos Rolex, canetas, colares, brincos que presentearam jogando como se fossem amendoins, em troca do quê ainda bem queremos saber. Ou por apenas serem esbanjadores generosos?

A polícia dirá. A história dirá. Se a Justiça punirá, e quando, e como, serão outros quinhentos. Haja ozionoterapia, agora aprovada mesmo contra todas as recomendações, e já que estávamos mesmo falando em escândalos.

___________________________________________________

MarliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Papai e Mamãe STF. Por Marli Gonçalves

Se bem que é mais papai, porque lá pelo Supremo Tribunal Federal a gente infelizmente só tem duas mamães, entre os onze que compõem a sua formação, Rosa Weber, a presidente que está para sair, obrigada, vai fazer 75 anos, e Cármen Lúcia.  São eles que vêm traçando os destinos não só da Nação, como também os nossos em muitas questões comportamentais.

papai e mamãe STF
FONTE: Migalhas

Que a gente acha até que um dia vai abrir o box do chuveiro e encontrar um deles determinando algo, pode ser, tanto têm feito. Que o STF tem passado do ponto em muitas coisas, criando encrencas, falando verdades e exagerando outras, nos garantindo, mas batendo nas nossas mãos com palmatórias, tentando regular muito mais do que as próprias pernas, e por isso sendo atacado pesadamente por extremistas dessa divisão burra – necessário dizer. Claro que é preciso estar atento e forte, porque muitas decisões que hoje aplaudimos efusivamente de alguma forma podem num futuro se voltar contra nós, se o tempo fechar. É preciso expressar isso claramente para o horror da esquerda. Que há limites, especialmente para o “mandou prender”, “mandou tirar do ar”, entre outros, que fique claro.

De outro lado, ultimamente eles parecem muito mais próximo de nós, pobres mortais, do que eram num passado ainda, pode-se até dizer, recente. O que se acelerou durante o governo passado, quando em inúmeras vezes nos salvaram das mãos da ignorância e do autoritarismo reacionário e conservador de extrema direita que ainda hoje teima em se criar e nos aborrecer aqui e ali. Um dos ministros, Alexandre de Moraes, o que mais tem se destacado, a ponto de ganhar apelido popular, Xandão, e memes engraçados, usados em conversas nas redes, para o bem e para o mal, de um lado e de outro das questões discutidas.

Só nessa semana tivemos duas notícias de lá daqueles lados onde tudo tem indo parar. A primeira é até ridícula que ainda estivesse sendo discutida em pleno agosto de 2023, a tal legítima defesa da honra, a tese utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher buscando justificar o comportamento do acusado. Carimbada agora como inconstitucional, por unanimidade. Ufa!

A segunda notícia foi um voto até histórico do Xandão em um julgamento que ainda vai dar muito pano para a manga – seria ao fim uma questão de descriminalização da maconha, do uso recreativo da cannabis. O julgamento está em 4 favoráveis a zero. Já votaram a favor, mas com divergências pontuais, os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luis Roberto Barroso. Mamãe Rosa Weber suspendeu a votação por enquanto, isso porque Gilmar Mendes acha que a coisa deveria ser mais completa, para outras drogas. No caso, se discute o porte: quanto seria legal? Quanto seria tráfico? Segundo Xandão, além de apontar o racismo, mais negros que brancos presos, usuário seria “quem adquirir, guardar, tiver em depósito ou trazer consigo de 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas”, bem explicadinho assim.  Gritaria geral, com esse Congresso esquisito querendo ser ele a instância a decidir. Falam até em plebiscito.

Enfim, o que vem ao caso é como tudo agora passa ali pelo plenário do STF, por conta disso mesmo tão destruído simbolicamente durante a raivosa invasão dos bolsonaristas em 8 de janeiro. Os ministros continuam mantendo presos muitas vezes quem roubou um bife, um shampoo. Mas saiu dali também a liberação de com quem casamos, uniões estáveis, homoafetivas, e logo estará sobre a mesa uma questão importantíssima, fundamentalmente ligada às mulheres: o aborto, e as condições para sua liberação, aliás leis e normas que há anos são soterradas pelos parlamentares que fogem do tema, literalmente, como o diabo foge da cruz, por envolver questões religiosas. Mais uma hipocrisia nacional tentando ocultar a realidade, assim como a questão da maconha.

Só que até há pouco estavam dez ministros votando, e chegou agora o 11º, o pálido e indecifrável Cristiano Zanin, indicado por Lula, e de forma bastante discutível.  Uma tristeza, por ser agora o mais jovem entre todos lá, aos 47 anos, já chegando como conservador, como se definem os que não querem mudar nada, nem mexer em vespeiros. Para ser aprovado nas sabatinas até respondeu a perguntas sobre casamento homoafetivo, legalização do aborto e descriminalização das drogas, se apegando à Constituição e no papel do Congresso, que conhecemos bem qual é na discussão dos temas. Ficou na corda bamba.

No país machista, de poder predominantemente masculino, onde as ministras de governo cantadas em verso e prosa estão sempre citadas primeiro em listas de trocáveis por acordos políticos, o que vai acontecer de agora em diante? Logo, em poucos meses, Rosa Weber sai, vão virar dez ministros de novo, e caberá a Lula mais uma indicação para completar o quadro tão irregular, já contando com os dois homens terrivelmente indicados por Bolsonaro.

Será o nome de mais um papai? Mais uma mamãe, uma mulher que tanta falta faz por ali? Precisamos ficar atentos a essa família que vive passeando em nossas casas.

___________________________________________________Marli

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – O X da questão e o pássaro assassinado. Por Marli Gonçalves

Um conhecido passarinho azul severamente atingido e destruído por um X – agressivo, dominador, inesperado, preto e branco – tudo diante de mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo, foi um fato marcante dessa semana. O assassinato foi dramático, sem choro nem vela. O mandante já é conhecido: trata-se de um bilionário, o homem mais rico do mundo, bem chegado numa polêmica.

x da questão

Ainda vai levar algum tempo até que todas as penas sejam recolhidas e esquecido o trinar agudo emitido desde a criação do Twitter, em 2006, e que desde 2010 era representado pelo pássaro azul – que viveu, portanto, 23 anos. Chamava-se Larry Bird, em homenagem ao jogador de basquete Larry Bird, e foi tão amado desde que chegou que bastava vê-lo para lembrar da marca Twitter, que nem precisava ser citada por extenso, a rede social enfim comprada e assumida pelo malvado bilionário no ano passado.

Aliás, na ágil rede social, de poucas palavras e longo alcance, diariamente seus mais de 200 milhões de integrantes ativos fazem tweets, em inglês justamente os pios de pássaros, o gorjeio, o chilrear, o pilpiar, pipilar. Não se pode dizer que Elon Musk, o bilionário, não tenha sido corajoso ao efetivar esse assassinato tão dramático. E tão perigoso, ao mesmo tempo.

O Twitter é uma rede social curiosa, inclusive a escolhida como uma espécie de caderninho de recados de dirigentes políticos, de celebridades, onde dali mandam comentários, mensagens, anunciam feitos, tentam se explicar, brigam entre si. Claro, com os “tweets”, muitas vezes evitam o incômodo de ter de lidar pessoalmente com jornalistas.  E dão a impressão de serem sempre eles próprios a conversar com o público, o que é bem distante da realidade.  Isso fez a rede importante, até agora insubstituível nessa função de poder, claro, captada e adquirida pelo malvado justamente por saber de seu potencial.

O que não dá, sinceramente, para entender, é como alguém gasta uma fortuna por uma marca reconhecida para mudá-la. Em alguns casos, como os conhecidos aqui no Brasil, quando Quércia comprou o Diário Popular e o fez virar o logo extinto Diário de S. Paulo. Kolynos virou Sorriso, entre outros, mas em alguns casos isso ocorreu por conta de registro de marca ou posicionamento. Não de quase sadismo com o logotipo do passarinho azul executado pelo bilionário, trocado por este horrendo X,  o ícone que invadiu os celulares, os computadores, causando um rebuliço danado, milhares de memes dos internautas, com poucas explicações razoáveis e frieza absoluta.

O “X” da questão também é que conhecemos uma outra história do X, e sem ser o da Xuxa, a mais lembrada por esses dias. Recordam do poderoso Eike Batista, que pretendia ser o homem mais rico do mundo, e que botava X em tudo que era seu, em tudo que tocava? Pelo menos Elon Musk já é o mais rico do mundo. Era EBX, OGX, LLX, MPX, CCX, OSX, MMX… Ele dizia que o X significava a multiplicação das empresas de seu grupo. Pois bem, da fortuna de 30 bilhões de dólares hoje restam apenas pouco mais de 8 milhões de reais, em tantas encrencas Eike se meteu, com cadeia e tudo.

O X é uma letra poderosa. É a incógnita na matemática. O contra, o versus. O cromossomo feminino. Uma letra cheia de sons. Pode ser mesmo o X, mas vira Z (exército, exílio), CS (convexo, perplexo), pode ser S ou SS (próximo, máximo).

Fácil de ser reproduzida sim, sem dúvida, mas também traz em si o fim, a morte. O tal bilionário não para de ter ideias malucas, autoritárias, pensa até em conquistar o espaço com seus foguetes da Space X, com os quais pretende, como transporte, levar terráqueos para colonizar Marte, que o cara pensa alto, vamos e venhamos. Mas lembra dos desenhinhos de quadrinhos e filmes dos falecidos com o X desenhado nos olhos? Choque, surpresa, descrença, espanto e assombro, e também o que não queremos ver. Tal como a cruz, um desenho de linhas que pode mesmo trazer perigosas variações.

Mas, também, claro, poderemos sempre cruzar os braços cruzados em X diante de nossos corpos, nos defendendo dele e de muitas outras ameaças de poderosos, de um jeito ou outro. O passarinho, tadinho, não conseguiu.

x da questão

___________________________________________________Marli

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Barbie e a onda rosa chata-choque. Por Marli Gonçalves

Estou bem confusa com essa onda rosa do lançamento do filme Barbie, que nos encharca e busca trazer no rol de sua importância o empoderamento feminino para apaziguar – só pode ser – os interesses comerciais. Não, não vi o filme, nem é uma crítica a ele, mas à massacrante forma de massificação de momento de uma informação, de um produto que já já já vai estar passando na tevê, e outras ondas virão.

Susi, mais pobrinha…

Olhe ao seu redor. É cor de rosa-choque. Não provoque, diria Rita Lee. Tudo, vitrines, roupas, pessoas, cabelos, casas, exemplos, clones, sósias. E notícias. Chega a ser enjoativa a pressão para a aceitação atual da mocinha que, embora com mais de 60 anos não perdeu a forma, a cinturinha, o frescor da pele, a energia, não tem cólicas nem sofre com a menopausa como acontece às mulheres de pele e osso que talvez até um dia de suas infâncias tenham brincado com a boneca Barbie, desejado ser ela, assim, quando crescessem. Até andam tentando, com mil intervenções.

Antes, todas as bonecas eram personificações de bebês e crianças, para apenas desejarem ser mães, papel que ainda hoje é severamente imposto às mulheres. Barbie já era adulta quando nasceu, modelo, com seus seios firmes, pernas longas, intensa atividade social e até romântica quando inventaram o Ken, seu namorado plastilina. Chegou com vários cabelos, o armário recheado de roupas, os sapatinhos, a casa, os objetos, tudo que rapidamente virou o incrível e rentável Universo Barbie. Tudo rosa, tão rosa, a cor associada às mulheres, e ainda escolhida a mais intensa, o rosa-choque, cor criada em 1931 pela designer italiana Elsa Schiaparelli, magenta com poucas adições de branco.

Lá vem a magrela, seus vestidos, acessórios, tudo rosa e tudo muito caro para qualquer padrão e é assim desde o lançamento da Barbie, em 1959. No cinema agora, personificada literalmente e muito bem pela adorável e bela atriz Margot Robbie, o filme é um dos maiores golpes (no sentido de vendas) de marketing dos últimos tempos.  Mas incomoda a pressão para fazer descer pela goela que, além de tudo, Barbie é feminista. Desculpem, mas feminista não é, não foi, nem será. Ela é uma boneca. E, sendo assim, manipulável em tudo, atos e propostas.

A realidade é bem diferente. Até para a boneca que no filme um dia acorda alarmada com os seus pés no chão, retos, ao contrário daquele já moldado para os elegantes e variados sapatos de salto alto. Pressente que precisa ir ao mundo dos humanos dar uma olhada no que acontece e que a está transformando. Por aí, vai. Já pensaram se os brinquedos refletissem mesmo o que se passa no nosso mundo? As fábricas nem dariam conta, muito menos de acompanhar de verdade as vitórias feministas nessas décadas.

Bild Lilii, a boneca adulta alemã que foi inspiração para a Barbie

Barbie é realmente um fenômeno. Criada inspirada em uma boneca adulta feita, acreditem, para homens, a erótica alemã Bild Lilli, foi um sucesso estrondoso de vendas. Sempre envolta em críticas e polêmicas. Polêmicas que fizeram com que o seu fabricante ganhasse ainda mais ao desenvolver novos tipos de Barbies que ainda pipocam para a alegria dos colecionadores: pretas, profissionais da mais diversas áreas, não só loiras ou morenas, mais rechonchudas, baixinhas, por aí vai. Trocam suas roupas, mudam a cor do plástico. Já há Barbies com deficiência, adaptadas em cadeiras de rodas, yogis, maleáveis, e até já surgiu a Barbie trans. Fora as Barbies dedicadas a celebridades, e as muitas amigas da Barbie que foram aparecendo como coadjuvantes.

Susi, com i.

No Brasil, lembro bem quando em 1966 surgiu a sua “correspondente”, a Susi, mais barata, menos metida, com roupinhas mais simples, uma feição menos famélica. O namorado era o Beto, horroroso. Tive uma Susi. Até o nome Susi, assim, com i, mais simples. Se fosse com Y, creio, teria mais glamour. (Parênteses: sempre adorei o Y, com o qual achei que era o meu nome até os 17 anos quando descobri na certidão que havia sido registrada com “i”, Marli, e fiquei com medo de, aprovada no vestibular, não aceitassem minha inscrição com y, como meu pai sempre escreveu, nunca mudou,  até a sua morte, aos 98 anos. Já que sou Marli na vida, adoraria ser Marly, mas isso já é outra história).

Voltando à Susi, tadinha, viveu até 1985; Barbie decaiu, ela foi junto. Até voltou a ser relançada, anos depois, em 1997. Voltou mais magra, com peitos maiores e roupas mais chiques, mas nunca mais foi a mesma.

Enquanto isso, agora, vamos nadando no rosa-choque, nas fotos dos locais instagramáveis, no povo posando dentro de caixas gigantes da boneca. Pelo menos está engraçado. A Ana Maria Braga que apareceu toda de Barbie será uma imagem inesquecível. Até porque bem mais verdadeira como gente que passou mesmo por tudo nesses anos.

___________________________________________________

MarliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

 marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Bang Bang urbano. Por Marli Gonçalves

Não era bom, mas tem ficado pior a cada dia flanar pela cidade. O bang bang instalado em São Paulo não tem só armas ou balas, mas pedras, facas, velas de ignição, cotovelos, rasteiras, emboscadas e, sempre, muita violência, com ataques de gangues claramente comandadas por grupos organizados, influentes, bem poderosos. E impunes. Desassossego total.

bang bang

De manhã à noite as pessoas – e os seus celulares – vêm sendo caçadas sem dó nas ruas da cidade. Você anda por aí e ouve os telefones tocando dentro das bolsas, bolsos, mochilas de quem é mais cuidadoso. Ninguém atende. Até disfarçam para não chamar a atenção para o aparelhinho muitas vezes comprado em dolorosas prestações e onde hoje depositam praticamente suas vidas; hoje tudo que se precisa depende dele, do celular, do digital, dos aplicativos. Por outro lado, muito mais comum, pedestres distraídos, abduzidos pelo aparelhinho, pescoço curvado. Tropeçar é o melhor que lhes pode acontecer, fora serem atropelados, por carros ou ladrões. Em um segundo, um esbarrão; o ciclista que o toma e ainda sai rindo. Quando não é o ameaçador motoqueiro disfarçado de entregador que ainda espanca quem não lembra a senha. Os novos bicho-papão? Eles grunhem: “perdeu”.

Seja na consagrada esquina de Sampa, nas ruas do Centro novo e antigo, nos bairros, praças de toda a cidade, pontos de ônibus, qualquer horário, não há mais sossego. Ninguém consegue caminhar tranquilo, sem olhar para trás, para os lados. Aliás, nem de carro, nem de ônibus, agora cercados por grupos. Não se respira mais quando se é obrigado a enfrentar o congestionamento, o trânsito lento. Surgem do nada, levam o que conseguem carregar e somem nos meandros – pior, todos pontos bastante conhecidos.

Não são os outrora trombadinhas, meninos trapiche que por muito tempo arrancaram correntinhas de pescoços para vender aqui e ali; não são a antiga turma das cortadeiras, que decepavam as alças das bolsas na muvuca dos centros comerciais. Não são mais os lendários – sim, eles existiram – ladrões de outrora, alguns que passaram ao folclore da cidade. O que corria pelos telhados, o que escalava prédios na madrugada, o galã sedutor.

São exércitos de jovens violentos que só podem estar sendo controlados e protegidos por grandes organizações criminosas, tudo sob as barbas da polícia, que apenas aparenta estar por aí enxugando gelo, “tomando providências”. Apontam a triste – e agora móvel, andante e circulante – Cracolândia, aqueles maltrapilhos dependentes que mal conseguem se manter em pé. Ora, a coisa é muito maior.

Só começa no roubo. Dali em diante funciona uma verdadeira e sofisticada linha de produção. O celular pula para outro, e outro que invade o banco, faz transferências, contrata empréstimos para contas laranja de mais outros. Os bancos, seus sofisticados sistemas de senhas, tokens, controles, que param as nossas transações reais quando mais precisamos? Silêncio. Para os bandidos os dinheiros são liberados em poucos minutos.

Como pode? É ou não é de se estranhar, e muito? Cadê que devolvem, aliás, isso e o que é perdido nesses e muitos outros golpes, como os boletos falsos que chovem diariamente nas caixas de e-mails? Nos telefonemas para idosos. Nos tais “golpes do amor”. Há mortes em todos esses casos. Como essas organizações criminosas podem não ser identificadas?

Assistimos a tudo nos noticiários, nas câmeras que registram em detalhes as fuças e o medo dos atacados, quando não mortos. Em grandes concentrações vemos grupos circulando e crimes ocorrendo ao nosso lado. Só nós vemos? Amanhã tem mais. É o depois que nunca termina. Conselhos que expelem: ande com carros blindados, circule com vidros fechados, buzine para espantar o ladrão e outras pérolas.

Tudo fora de controle, assim como a violência em temas sensíveis, como o feminicídio que se alastra e não há medida protetiva que seja eficiente e resolva as ameaças denunciadas pelas mulheres. Vá a uma delegacia prestar queixa. Talvez, com sorte, lhe deem alguma atenção. Mas o comum agora é lhe darem, com muxoxo – sabe como é, né? “muito trabalho, não temos equipes” …- um papel que você mesmo preenche como se fosse o escrivão e entrega ali no balcão. Talvez vire um número na estatística. O BO é todo seu, como dizem. Resolva-se com ele.

Salve-se quem puder. E não podemos. Não conseguimos.

(foto: Catherine Krulik)___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

Instagram: https://www.instagram.com/marligo/

ARTIGO – Comoções. Com emoções. Por Marli Gonçalves

São verdadeiras comoções – e de emoções vívidas, fortes, emocionantes – as que infelizmente temos assistido com alguma perturbadora frequência nos últimos tempos com a partida de pessoas que, mais do que celebridades, personalidades, estrelas, se formaram em vida como símbolo, marca e representatividade de suas áreas de atuação. A transformação da tristeza da morte.

comoções emoções
José Celso Martinez Correa – celebração e o sentido da morte transformado

Cantos, danças, palmas, rituais, alegria e tristeza misturada em muitas horas, alguns dias até. A tentativa natural de transformar algo muito triste, perdas e despedidas, em algo maior, marcante em suas homenagens finais. Muitas vezes até divulgando melhor e espalhando o nome de quem se vai a esferas que em vida talvez não tivessem sido conhecidas ou alcançadas, todo um país, em longos noticiários e manchetes. A notícia e os fatos seguintes à morte essa semana do dramaturgo José Celso Martinez Correa, 86 anos, após não resistir às graves queimaduras de um incêndio dramático em seu apartamento em São Paulo foi, além de chocante, exemplo de como o fim de uma vida pode ser transformada em força para a continuação de feitos, como renovação de suas lutas e, especialmente, aconchego  e conforto de quem fica. Ele saiu de cena. Mas uma grande cena marcou a resistência, a existência.

Nos últimos meses não foram poucas as perdas dessa forma marcantes: Jô Soares, Gal Costa, Elza Soares, Pelé, Glória Maria, Rita Lee, e apenas para citar alguns de grandes brasileiros que se foram e momentos em que vimos milhares de pessoas acompanhando seus cortejos fúnebres, celebrados de diferentes formas e até em inusitados locais, além das ruas. Mais: novas histórias fantásticas foram contadas sobre eles, bons feitos descobertos (os malfeitos, se houver, vão para alguma vala escura), surgem seus descendentes indiretos, pessoas por eles influenciadas, algumas lançadas também ao sucesso, inclusive.

De cada um destes nomes ficamos sabendo ainda mais, e por mais que os acompanhássemos durante anos. De muitos acompanhamos, aflitos, a agonia final em leitos de hospital; para muitos rezamos em nossas fés reservadamente pela sua recuperação, algumas que sabíamos até impossível. De outros, a notícia chocante, repentina, que trouxe pontadas em nossas histórias, quando imediatamente lembramos de porquê gostávamos (ou mesmo, até porque não gostávamos) tanto delas. Se as encontramos. Se as conhecíamos pessoalmente. Quando suas histórias de alguma forma cruzaram com as nossas, e o que significaram.

Há décadas armei com amigos uma festa de arromba no Latino, um clube noturno do balacobaco, para homenagear um amado amigo, Luis Henrique Saia, que morreu em Paris, e que sempre foi só vida e contentamento. Não é de hoje que a transformação importante da visão da morte, das perdas, busca essa transformação que eu chamaria de apaziguadora e, até de certo alívio com o desfecho quando achávamos que aquela pessoa não merecia ter sofrido tanto em seu fim. “Quando eu morrer, não quero choro nem velas, quero uma fita amarela…”

Perdemos muita gente durante a pandemia, e que não pudemos estar lá para o aceno final. Eu perdi; e apenas aqui de meu canto pude celebrá-las. Mas, de forma muito cruel, este ano está sendo acelerado, e já estive em alguns velórios. Todos, já com essa transformação. O legado sempre maior do que o corpo que se retira desse plano. O fantástico Paulo Caruso, o incrível jornalista Palmério Dória (no velório dele teve roda de samba, cantoria boa e mais teria para celebrar sua verve, sua pena afiada, sua ironia fina, se ele estivesse na produção).

E agora mesmo, agora, esta semana, a perda da incrível Maria Luiza Kfouri, a Mana, amiga e admirada, jornalista, radialista, musicóloga, pesquisadora e conhecedora da música popular brasileira e que catalogou em seu site Discos do Brasil, um trabalho minucioso, a memória da discografia nacional. Divertida, agitada, comprometida com seu país, não poderia mesmo ter um velório triste. Também ali, ao lado de seu corpo inerte, as manifestações musicais, instrumentais, tocadas por grandes nomes, nos fizeram lembrar, aplaudindo, lágrimas escorrendo, que a vida continua, e levando esse alento aos familiares, amigos e admiradores.

Deve ter quem ainda fique chocado com a celebração da morte em festa, além da tristeza. Não fique. Acredite. Dessa vida nada levamos, deixamos. E isso pode sim ser celebrado de corpo e alma. Para sempre.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

FOTO: @CATHERINEKRULIK___________________________________________

ARTIGO – Previsões para os próximos todos os tempos. Por Marli Gonçalves

Previsões que não importa o signo, raça, gênero, idade, altura, poder econômico, e nem ideologia, essa coisa que ninguém sabe bem de onde vem, para onde vai, e se tem alguma lógica ou valia nesses novos tempos. Na chegada do segundo semestre, sem champagne, espumantes, brilhos, roupa branca, sete pulinhos, flores ofertadas, viramos a curva do ano, lá vamos nós enfrentando como sempre os dias e seus desafios.

Mais um ciclo. Um pouco mais leves, enfim, chegamos na segunda metade do ano, tudo parece rápido. De uma sarna a gente para de se coçar ao menos até 2030, e embora mesmo inelegível após decisão do TSE o ex-presidente vá inventar clones, mais ervas daninhas.

A temperatura não será nem quente nem fria, vai chover e fazer Sol, tudo dentro, abaixo ou acima da média. Chato: vamos continuar ouvindo falar o tal nome odioso de antes, porque ainda tem é processos rolando, alguns que podem fechá-lo a chaves, embora sinceramente pouco acredite que chegue mesmo nisso.

Muito chato: ficaremos pasmos com o que de vez em quando (mas com perturbadora frequência) dispara, boquirroto, aquele que o substituiu, certo de que como sempre um dia depois do outro, um depois do outro, o povo esquece até o que comeu, se é que o fez. Democracia relativa, ditadura que não é ditadura. Centrão que não é centro, esquerda, direita, volver. Reconstrução que ainda não se vê.

Sorria. Você está sendo filmado, fotografado, revelado. Por você mesmo, inclusive, e por aí, nas ruas. Como um dia disse e agora diria Caetano, quem vê tantas imagens? ninguém lê tantas notícias. Elas passam e imediatamente são substituídas, esquecidas, atropeladas por outras e cada vez mais o espaço mais largo e disputado é o da vida dos outros. E outros que já não se escondem, andam com paparazzis particulares a tiracolo, informam que dormiram, com quem, se foi de conchinha, que escovaram os dentes, cortaram a unha do pé, que beijaram, casaram, descasaram, traíram, com dancinhas, patrocínios e recebidinhos. Previsão: continuará; dá cliques e, igual ao tempo, clique é dinheiro. Os mortos, se deixaram heranças e suas disputas familiares e sexuais, terão suas existências descortinadas sem trégua. Reclamar já não mais podem.

Calma! Providências estão sendo tomadas, as investigações estão em curso. Colaboramos com as autoridades, as repetições. Golpes atrás de golpes cada vez mais engenhosos cercam ameaçando todos, não se distraiam. Nunca. Nossos dados estão por aí nas nuvens carregadas de criminosos.

A violência será contida. Diremos isso ao homem morto, espancado e roubado, à criança estuprada ou atingida por balas perdidas, junto aos caixões das mulheres diariamente assassinadas quando decidiram viver suas vidas. Aos idosos abandonados.

Uma gracinha. A luta pela diversidade avança. Mas as cerimônias ridículas de revelação continuarão trazendo todos os tons de azuis e rosas, meninos e meninas, como se isso fosse determinar e garantir o caminho do futuro de bebês ainda descansando sem saber de nada nas barrigas personalizadas.

O Censo fechou seu balanço, mesmo tendo tantas portas batidas em sua cara, com revelações sobre os movimentos da população, saindo das grandes cidades, voltando para suas terras, morando sozinhos, tendo menos filhos, ocupando espaços menores. Mais pobres, ricos mais ricos; desempregados, empreendem – alguns se dão bem. As ruas lotadas de quem perdeu tudo. A ignorância que fechou a porta na cara do Censo é a mesma que não se vacina, fazendo retornar doenças, pondo todos em risco. A ignorância grassa, junto com as mentiras que se acomodaram durante os últimos anos em espaços que nem poderiam ser previstos, vinda de gente inacreditável. Considerados alguns dias que seriam ruins, podem infelizmente e superlativamente serem piores. Sigamos para os próximos 10 anos.

Os guetos – os mais variados – avançam, muitos já não vemos porque se desenvolvem cavernosos em redes digitais, em grupos de conversas onde sempre tem um mais espertinho e “sábio” do que outros, que sabe tudo, andou pelo mundo, veja só como são mais legais os seus filhos, netos, cachorros, casas, jardins, amigos, a comida e a bebida que os alimenta. Falam com tanta propriedade que juntam gente à sua volta, como o ilusionista que faz mágica nas praças da cidade. Passam cartolas, não chapéus.

Em compensação, não desistiremos nunca, tão acostumados às repetições de padrões que tornam fáceis até as previsões dos dias. Passo a passo, seguimos. E ainda conseguiremos rir e fazer piada. Isso é vida. Somos normais, enfim.

FOTO: CATHERINE KRULIK___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – O que saiu disso tudo. Por Marli Gonçalves

Saiu, não, na verdade, que ainda está saindo, e não é coisa boa. A gente agora vê uma parte bem legal, o povo nas ruas, feliz, voltando às festas, sorrisos à mostra sem máscaras, corpos juntos, aglomerados, coloridos e diversos, o fim de tantos bloqueios da danada da pandemia. Legal. Mas, e sempre tem o “mas”, lembram que achávamos que sairíamos dessa muito melhores?

O que saiu disso tudo

Não diria que sinto decepção, porque sempre fui bastante cética a respeito desse assunto, talvez por perceber quase desde sempre a natureza humana, suas idiossincrasias, observando bastante, me preparando, até para evitar sofrer tanto.

Tudo bem que nem adianta, porque a cada baque apenas aprendemos como tudo pode ir infinitamente bem mais fundo, vide agora o submarino e os tripulantes lá no fundo do mar fazendo companhia aos restos do Titanic. Alguns milhões de dólares gastos numa aventura por algumas horas para milionários. Mais uma. Só que essa, ao contrário dos passeios espaciais de minutos, aquela olhadinha do lado de fora da Terra, não deu certo. Não é como o padre sonhador voando com seus balões mágicos.

O que chama a atenção é a busca contínua e insana por feitos e coisas exclusivas, muito além de bolsas e roupas de grife; cada vez mais e mais, de forma a reafirmar o poderio econômico nesse mundo tão cheio de disparidades. Muito além dos esportes de aventura que desafiam o corpo humano, mas que servem à Ciência, testando os limites possíveis. Muito além, inclusive do que esses dólares poderiam fazer se aplicados aos estudos que pudessem evitar a eclosão de novas pandemias, novas interrupções de tantas vidas, sonhos, futuros – outra tenebrosa e possível pausa obrigatória. A luta contra vírus, bactérias, insetos, muito do invisível e do visível.

Não se preocupem que não vou – e nem saberia como fazer isso com precisão – calcular quantas casas populares, pratos de comida, etceteras poderiam ter utilizado essa grana toda dos passeios dos ricos em prol de ao menos mais pessoas, um teco da humanidade. Aponto apenas como mais um fato de como, mesmo depois da mortandade que assistimos e sentimos, o egoísmo prevalece. Isso sem contar alguns outros bons dinheiros gastos nas tentativas de salvar essas pessoas de suas próprias maluquices.

Assim também de alguma forma é a guerra mais visível do momento, ultrapassando quase um ano e meio. Os milionários aventureiros mortos, que eu saiba, não eram das indústrias de guerra, que estes se mantém ocultos, quietinhos, apenas contando ganhos com balas para lá e para cá, tanques, mísseis, seus brinquedinhos mortais que alimentam o ódio, o horror. Uma guerra que a poderosa Rússia começou em plena pandemia, e que acabou chamando o mundo todo para dançar com ela, de um lado ou outro. Os senhores da guerra e seus investidores agradecem passando a mão em suas generosas barrigas, juntos, fumando charutos em algum lugar bem protegido.

O desperdício – a palavra-chave – de dinheiro, de energia, de alimentos, de atenção com as necessidades reais, retratado em discursos emocionantes, superados por outros dias após dias, ainda é a marca do que está saindo disso tudo.

Não sei se exatamente por medo, por perceber a fragilidade e as surpresas da vida, por oportunismo ou insensibilidade, se pelo imediatismo, parece que todas as promessas de que seríamos melhores foram mesmo esquecidas em algum canto por aí. No espaço. Afundadas no oceano. Explodidas no ar ou atingidas por disparos.

A esperança? Ah, essa foi vista batendo a cabeça por aí.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

(foto: Catherine Krulik)

___________________________________________

ARTIGO – Politicamente exposta, pessoa? Por Marli Gonçalves

Pessoa exposta politicamente, politicamente sensível? Pronto, era o que faltava criarem uma categoria a mais para ser privilegiada, uma casta superior de milhares de pessoas que poderiam, assim, tudo, inclusive obrigar bancos a sem resistências lhes conceder empréstimos; fora acessarem vagas de trabalho em órgãos públicos, seja como for. E ainda querem ser protegidos de críticas!

Politicamente exposta, pessoa?

Politicamente sensíveis e expostos – e à flor da pele – ficamos nós com tanta sacanagem sendo produzida lá no Congresso, na calada da noite e votada com desnecessária pressa e cabulosa urgência, ao som da lira. No mínimo combina, e não por menos arrumaram até uma sigla esquisita para tornar esse Projeto de Lei, na verdade um gigantesco insulto às leis, mais palatável e oculto: PEP. Mas não haverá para nós nenhum comprimido de PrEP (profilaxia pré-exposição) que permita ao nosso organismo se preparar contra mais essa infecção vinda da preocupante política nacional, no caso, o Legislativo. Quando achávamos que uma legislatura dificilmente poderia piorar, esta atual está mesmo surpreendente.

Mas como a contaminação parece geral nos Poderes, um surto, precisaremos ainda ficar muito atentos ao Senado Federal, onde essa loucura e ataque ao bom senso ainda poderá ser detida.

Se você, acaso, perdeu essa, vou tentar resumir. A deputada Dani Cunha (União Brasil – RJ), filhote do cassado e execrado Eduardo Cunha, ex-tudo, ex-deputado e ex-presidente da Câmara, apresentou no último 22 de maio, vejam só, essa indecorosa proposta, e que foi aprovada agora na Câmara, em regime de urgência, sem ter passado por nenhuma comissão, em duas horas, entre o início da discussão e a conclusão do mérito. Tanta coisa importante na fila durante anos e eles sentados em cima.

O relator da proposta, deputado Claudio Cajado (PP-BA), muito bonzinho, até tirou dali do texto umas lascas, para fazer parecer que a coisa era séria. Não está na versão aprovada pelo plenário o artigo que – acredite – punia com pena de dois a quatro anos e multa “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro, somente em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou que figure na posição de parte ré de processo judicial em curso ou por ter decisão de condenação sem trânsito em julgado proferida em seu desfavor“. Ou seja, eu não poderia criticá-los como faço agora– poderia pegar uma cana. Ainda bem que o pensamento ainda é livre.

Nada impede o que ficou de ser uma barbaridade. De acordo com o tal projeto, que recebeu 252 votos, com apoio de 80% do PT, entre outros santinhos, do total de 513 deputados, quem “discriminar” as pessoas politicamente expostas e seus apêndices pode até ser preso por um período que varia de dois a quatro anos. Definem como discriminação a recusa dos bancos ou instituições financeiras em abrir contas para as tais pessoas politicamente expostas, políticos denunciados ou condenados em primeira e segunda instância cujos processos não tenham transitado em julgado. E suas gerações.

Ah, você quer saber quem são todas essas sensíveis pessoas? Além de sócios dos próprios, a tal lei define: políticos de todas as esferas, ministros do Poder Judiciário, nomeados para cargos comissionados, procurador-geral da República, integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU), entre outros, veja bem. O projeto também alcança pessoas jurídicas das quais participam pessoas politicamente expostas, além de familiares e “estreitos colaboradores”. Ou seja, os sócios, familiares, os parentes, na linha direta, até o segundo grau, o cônjuge, o companheiro, a companheira, o enteado e a enteada. Nove mil pessoas mais milhares de agregados, conforme os cálculos.

Uma ode à corrupção, à lavagem de dinheiro, aos laranjas, ao descontrole geral. Já viram bancos serem presos? E pagarem multas? Em caso de negativa ao grupo de belezinhas, as instituições financeiras deverão, em cinco dias úteis, enviar um documento ao solicitante do serviço explicando os motivos de ter negado o pedido de abertura e manutenção de conta ou concessão de crédito, sob pena de multa diária de R$ 10 mil e pena de 2 a 4 anos. Já pensaram no texto desta cartinha? “Você foi vetado porque é _________________. Aguardamos ser presos. Atenciosamente”.

Nunca imaginei que um dia sairia em defesa de bancos. Até nisso a política nacional inova.

Você aí, que não é politicamente sensível, só mais um brasileiro exposto à realidade, já deve ter precisado pedir algo, como um empréstimo. Nem me diga. Faltou baixar as calças para conseguir? Montanha de documentos e avais, pesquisas de seu nome até no fundo do poço, escarafuncham sua existência. Se não paga hipotecam sua alma. Às vezes nem resposta recebe.

Ah, amigo, amiga, vai ser político na vida!

___________________________________________________marli -

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___foto: @catherinekrulik________________________________________

ARTIGO – Santos, Santos, Santos! Por Marli Gonçalves

Exatamente, exatamente, não se sabe quantos são mesmo os santos da Igreja Católica. Os números oscilam, tremendamente aliás, entre mil e oito mil reconhecidos oficialmente. Brasileiros, seriam 37, contando todos os que ou nasceram aqui, ou pelo menos deram uma boa passadinha por esta terra que já foi bem gentil. Agora em junho temos três santos bem populares, mais um que acaba meio esquecido. Aproveitemos para pedir aquela forcinha, com simpatias e alegria, e por todos.

santos
SANTO ANTONIO, SÃO JOÃO, SÃO PEDRO, SÃO PAULO

O Brasil é um país que reza pra tudo quanto é lado. Não dá para entender como ainda ocorre qualquer divergência entre as religiões, até porque muitos de nós professam bem mais do que uma só, seja por simpatia, tentativas, ou porque todas acabam levando a um só lugar, divergindo apenas em textos e formas de consagração; a gente tem um pezinho aqui, outro lá, até por garantia, que pulamos de galho em galho atrás de uma luz para seguir andando com fé, que a fé não costuma falhar – o que dizem. Eu acredito.

E como tudo aqui é gigante há épocas que a fé aflora para tudo quanto é lado. Milhares marcham por Jesus nas ruas trazendo no solado dos pés seus pedidos nas caminhadas evangélicas, religião que cresce, e a medida é o número de vezes que agora ouvimos alguém falar “misericórdia!”. Com maior visibilidade alcançada nos últimos tempos, os evangélicos se veem hoje melhor retratados (e aceitos) nas novelas, nas músicas, nas expressões e na representação. Obviamente falo do que é sério, não desses que nos atazanam a todos, líderes e pastores que se auto proclamam, perigosos, em busca de riqueza pessoal, poder político, de dízimos, e que ainda miseravelmente se aproveitam da inocência dos mais humildes para disseminar preconceitos, mentiras e brigas religiosas, inclusive entre eles próprios. É preciso, aqui mais do que nunca, separar o joio do trigo.

Nesta mesma semana quilômetros de arte da mais bela feita com amor e esforços, flores e serragens coloridas, formando tapetes maravilhosos com o retrato de passagens bíblicas e por onde passaram procissões celebrando o corpo de Cristo, numa festa que se espalhou em todas as regiões, como uma tradição católica de décadas, renovada todos os anos. Arte instantânea, volátil. E vivas sempre à Padroeira, Nossa Senhora Aparecida.

Nos terreiros se fecha o semestre com os orixás representando as forças da natureza, os lados da vida, as fraquezas e forças dos seres de todas as dimensões.

E, como é junho, chegam as grandes festas dos três santos mais populares e que juntam todo mundo no forró, no quentão, no bate-coxa, nos arraiais, nas danças das orquestradas e festivas quadrilhas. Santo Antônio, São João, São Pedro.

O primeiro, agora do dia 13, o santo casamenteiro, do amor, seja para conseguir um ou mesmo recuperar algum amor perdido. Coitado do Santo Antônio. O viram de cabeça pra baixo, o deixam afogado, sequestram o menino Jesus de seus braços, tudo para praticamente coagi-lo a agir. Só desviram o coitado e devolvem o menino se forem atendidos, esses fiéis. Um santo praticamente torturado, vejam só. Mas a fé é assim, bem doida.

São João, do dia 24, parece mais bem tratado nas suas festas. Padroeiro dos hoteleiros, hóspedes (e ajuda mesmo o Turismo) e prisioneiros, conhecido como protetor dos casados e enfermos, condições que às vezes até andam juntas. Acredita-se que cuida também dos que sofrem com dor de cabeça e de garganta.

Por último, o São Pedro, o Pedrão, do dia 29, danado, que tem as chaves do céu, e pode bater a porta em nossa cara quando tentarmos entrar lá,  além do poder sobre o tempo, as chuvas. “Eu te darei as chaves do reino dos céus e o que ligares na Terra será ligado nos céus”, proclamou Jesus, de acordo com os escritos. E ainda tem São Paulo, o santo “esquecido” e que se agrega ao Dia de São Pedro.

Seria bom mesmo é se todos os nossos pedidos – para todos os lados – fossem além dos pessoais. No coletivo, pela união de toda essa fé e forças, que pudessem ser convertidas para convivermos em paz tornando esse mundo que a gente vive aqui e agora, na real, um lugar melhor, respeitoso, mais seguro, e onde todos pudéssemos festejar as imagens geradas na alegria de cada uma das variadas consagrações.

Axé, Amém, Misericórdia. Santos, santos, santos e santas.

 ___________________________________________________

marli -

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___foto: @catherinekrulik________________________________________

ARTIGO – Junho e a mulher invisível. Por Marli Gonçalves

Em junho completo mais uma rodada em torno do Sol, chego agora a ser oficialmente mais idosa ainda do que até já era, como determinam decretos. Agora não há mais discussão, e espero ao menos não correr mais o risco de ficar sem o transporte coletivo gratuito como ocorreu até que se reestabelecesse este ano.

JUNHO E A MULHER INVISÍVEL

Nada fácil falar de idade, embora nunca tenha omitido ou mentido a minha. Mas sei bem como funciona, sempre prestei muita atenção nisso. Nada fácil ser mulher. Nada fácil ser mulher e falar de idade – a gente vive mais, mas parece que vai ficando a cada dia mais transparente aos olhos de todos. Uma invisibilidade progressiva que se acentua e, pior, já começa quando ainda se é vital na sociedade que cada vez mais se torna supérflua, instantânea. Falo de amor, de atenção, de flerte, mas também – e muito – de reconhecimento profissional e da procura por espaços abertos ao crescimento.

Engraçado é que comecei bem cedo. Tinha 15 anos quando sai para trabalhar fora pela primeira vez, como vendedora de uma loja na Rua Augusta, na vã esperança de que poderia ganhar para ao menos comprar uma motocicleta, minha paixão à época. Cheguei antes a ter uma, aos 13, mas nesse país sempre cheio de decretos regulando nossas vidas, especialmente durante a terrível ditadura, à época foi proibido esse acesso a quem tivesse menos de 18; revoltada, fui obrigada a vê-la sendo levada. Mas nesse trabalho quase paguei, e nada ganhei. Só que dali em diante nunca mais parei.

Foi, no entanto, ao sair para a vida, quando descobri muitas coisas novas, desde com pessoas que propunham a liberdade total naquele momento, do mundo do rock e seu redor, à luta política que também me levou ao feminismo, ao jornalismo, onde já completo mais de 47 anos, 44 contando da formatura oficial na Universidade. Sempre me meti nas coisas antes do tempo, me adiantando a ele, assim continuo e assim pretendo continuar. Enquanto não ficar transparente total vão me ver nessa luta. Nela, aos 65, ainda serei precoce em tudo como sempre. Não desaparecerei assim sem mais ou menos.

Toda hora vejo aqui e ali novas determinações e regras de pode isso, não pode aquilo, muitas travestidas de modernidade, de conselhos, de bondades. No fundo é tudo mesmo muito preconceituoso. Pode vestir isso, “vai ficar bem para a idade”, mas não aquilo, pela elegância. Matérias sobre 40 +, 50+, 60+ inundam os portais, mas sempre com um quê de condescendência, de faça isso, sinta-se assim, para obter um selo de aprovação. Durante toda a vida às mulheres sempre cabe estarmos postas em cercadinhos de etapas, que devemos passar pulando, como cercas, como que tocadas como gado.  Upalelê, agora é hora de casar; ser mãe; ser avó; fazer plástica; cortar o cabelo; encompridar a saia; dar espaço aos jovens; aposentar; se aquietar; morrer?

Sou do contra. Até na audácia de falar sobre isso. De chegar até aqui onde cheguei vendo tantas outras desistirem no caminho e na alegria de saber que muitas de nós persistem, mesmo que como corpos estranhos na sociedade, destacadas como seres exóticos, “originais”, entre outros adjetivos que ganhamos. Outro dia mesmo ouvi que sou “autêntica” e fiquei pensando se isso queria falar bem ou mal.

Nasci no glorioso ano de 1958. Assim, chego daqui a alguns dias nesta nova maioridade, me acostumando a ela, em forma, e alguns fios prateados. Pela primeira vez o aniversário cai em um feriado neste junho, mês especial de festas para Santos, de chuva de meteoros, de tapetes de flores nas ruas. De muitos arco-íris nas ruas festejando, defendendo e consagrando a liberdade e a diversidade sexual – tudo na mesma semana.

Sei que receberei centenas de mensagens maravilhosas, amada, porque mesmo do jeito que sou – e talvez até mesmo por isso – sou bem considerada por pessoas de todos os cantos, tipos, formas, pensamentos que conheci ao longo desse tempo, mesmo que tantas outras tão especiais tenham sido perdidas e seguiram para algum outro plano. Já fico feliz em pensar nisso como uma forma de apoio. Pessoas que de alguma forma reconhecem (e muitas invejam!)  que nenhum dia é fácil para quem fez as escolhas que orgulhosamente fiz, faço e cumpri. Amei, fui amada, sobrevivi aos fins e sempre afiada e pronta aos começos.

Desde já, agradeço, de coração, pelo menos a elas estar bastante visível. Para as que ainda tentam me arrancar de suas histórias ou me ignorar, só posso dizer que isto é impossível: a memória é implacável.

___________________________________________________

marli - PIRANDOMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

(FOTO:@CATHERINEKRULIK)

___________________________________________

ARTIGO – Não sei se eu estou pirando ou…Por Marli Gonçalves

…se as coisas estão mesmo piorando. Desde a morte de Rita Lee não consigo parar de cantarolar … “Não sei se eu estou pirando ou se as coisas estão…piorando”! Não há Cristo que me faça pensar na letra correta de Mãe Natureza.  Por que será? Será porque as coisas estão mesmo piorando? Ora, decepção faz isso.

PIRANDO - DECEPÇÃO

Primeiro, lembro aos queridos leitores que vivo em São Paulo, Capital, e só nisso vocês já podem imaginar o angustiado sentimento que invade meu cantarolar, mesmo sendo uma otimista inveterada. Otimista, mas não ingênua, e muito menos cega e surda com tudo o que presencio, ouço, vejo. Respiro, embora isso seja modo de dizer porque o ar seco sufoca, e a visão do belo horizonte ao crepúsculo exiba uma beleza vermelha estonteante pintada pela poluição. Horizonte que cada vez mais procuro em pequeninos espaços entre prédios cada vez mais e maiores, absurdos, e que só consigo ver me pondo nas pontas dos pés.

Mamãe Natureza! Anda tomando tantas bordoadas que deve estar cambaleante esta semana com tantos golpes que vem tomando de parlamentares lá no Congresso e na Câmara Municipal daqui, aliás, vindo de tudo quanto é lado. E agora na ação e inação do Governo que acreditávamos estar afinado conosco na busca de não deixar mais passar a boiada pisando em nosso futuro. Liberaram ataques na nossa preciosa Mata Atlântica, um dos biomas que tanto lutamos pra preservar, onde vivo eu e 72% da população brasileira, concentrando 70% do PIB. Que abrange atividades essenciais, abastecimento de água, agricultura, pesca, geração de energia elétrica, turismo e lazer.

Sim, vivo na cidade, piorou; esta aqui já é e está ficando cada vez mais insuportável e entupida porque os planos diretores que são aprovados atendem a tudo, menos ao nosso bem-estar. Andem por aqui, prestem atenção nas esquinas, nas demolições, nas construções desenfreadas de prédios gigantescos destruindo qualquer memória. Agora em novas versões, de apartamentos de dimensões mínimas aos quais vêm sendo dados nomes bonitos como “studio”, “concept”, “home”, “living”, “new life”, “urban”, “residence” – cada um que leio tenho crises de espirro. No meu tempo, e talvez no seu aí também, o nome era bem menos poético: quitinetes. E essas, garanto, eram maiores do que algumas dessas celas que estão sendo vendidas e alugadas a preços exorbitantes.

Ah, prestou atenção no último anúncio do governo? Estão movendo mundinhos e fundinhos para dar “desconto” no preço de carros, que chamam de populares, embora nenhum esteja por menos de 60, 70 mil reais. Gente boa com a indústria, que coisa. Como eu sou tão ruim e posso não entender que não há, ao contrário, incentivo real dado ao incremento do transporte coletivo, à sua melhoria, novas formas de transporte, fiscalização e cuidado com as pessoas? Querem aumentar ainda mais o número de carros nas ruas, da poluição, o uso dos combustíveis fósseis, o trânsito já insuportável. Contramão, Bibibiibi! Dizem que querem renovar a frota, entre outros itens bem discutíveis para descontos tão pequenos ao consumidor, como os anunciados. Que bonito é. Mais uma sandice.

As coisas estão mesmo piorando, e piorando feio no relacionamento, na loucura das pessoas, no comportamento negacionista, hipócrita, deseducado e reacionário, e que queríamos tanto já ver mudar. Acabo de ouvir que aqui na Capital esse ano houve aumento de 720% nos casos de racismo. E em todos os campos, além dos estádios. Mulheres assassinadas? Só em São Paulo, e no primeiro trimestre deste ano, foram 62 casos de feminicídio, número todos os dias cruelmente aumentado. E estupros e assassinatos da população LGBT, e mais casos de misoginia; e a pobreza, miséria, fome, violência, outros absurdos que basta sair às ruas para presenciar. Aliás, se ficar em casa, cuidado com os golpes vindos de todos os cantos, via digital, via telefone.

Desculpem o desabafo. Aproveito para registrar a tempo a decepção – clara, visível – que grassa por aí, e alertar os caras enquanto é tempo dos rumos serem retomados.

Quero muito cantarolar outras músicas de Rita Lee. Desculpe o Auê. Ando meio desligado(a). Balada do louco (a). Ando propondo até “Nem luxo, nem lixo”: “Não quero luxo nem lixo/ Meu sonho é ser imortal, meu amor/ Não quero luxo nem lixo/ Quero saúde pra gozar no final” …

___________________________________________________

marli - PIRANDOMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

FOTO: @CATHERINEKRULIK
___________________________________________

ARTIGO – A fada do tema e a tosse. Por Marli Gonçalves

Bem sei o quanto tema é o que não falta neste nosso Brasil, nesse nosso mundo, planeta, Universo. Alguns só para citar aqui e ali, conversa de botequim, de tempo, de oi no elevador. Ou são muito chatos. Ou baixo astral. Ou, ainda, algum tema sobre o qual fica difícil opinar sem tomar bordoadas de uma ou outra direção nesse país dividido, e quando se tem uma opinião divergente das correntes.

tema - tosse

Um amigo escritor acaba de me escrever um e-mail, respondendo se iria me mandar artigo para publicação no nosso site Chumbo Gordo, e sem querer acabou foi me apresentando um personagem que adotei para o meu próprio imaginário: a fada do tema. Na resposta, ele dizia não acreditar em fadas que o fizessem escrever, pelo menos não agora, hoje.

Mas eu acredito em fadas, embora elas não puxem meu enorme dedão do pé como fazem os duendes da Xuxa. Mas para você acreditar também, preciso que pare para pensar o quão difícil é escrever, aliás escolher sobre o que escrever, assombroso drama dos cronistas, articulistas e colunistas, alguns tendo de produzir genialidades com frequência até bem maior do que a minha, que planejo como hábito sempre uma vez por semana, na sexta-feira. Temas existem, estão por aí à nossa volta, gritando em nossos ouvidos, muitas vezes sugeridos por leitores. Mas, e cadê a vontade de escrever sobre eles? É necessário que um bichinho seja ativado em nosso cérebro para que comecemos a batucar as pretinhas (olá, são as teclas!), como costumamos chamar em jargão de imprensa. Não é fácil não.

Como começar, por onde começar, para onde levar palavras, pensamentos, opiniões, informações. Lembro que nos tempos de redação no Jornal da Tarde – e as redações de jornal ainda eram lugares amigáveis – quando tínhamos algum desses apagões de por onde começar chamávamos um amigo para brincar de “Stop”, lembra qual é? Aquela que a gente fica pensando no alfabeto, a, b, c, d… até que o Stop!  interrompa. A letra que saísse era como começaria a reportagem ou a notícia que redigíamos. Sempre dava certo. O problema era quando caia em “X”, “Y”, “Z”, “W”, mas sempre dávamos um jeito. Se precisar de inspiração para começar, use essa dica. Especialmente se não acreditar em fadas.

Escrevo, religiosamente toda semana desde outubro de 2008, e o que dá até agora mais de 750 artigos e crônicas que, publicados em sites e jornais de todo o país, replicados pelos queridos leitores, já contemplaram toda sorte de temas, de comportamento, cotidiano, liberdade, imprensa, luta das mulheres e em alguns anos, como os últimos quatro que se passaram sob o comando do ser estranho, a política foi o tom. Nem sempre é possível buscar a suavidade, a ironia ou o humor exigido pela crônica, esta forma que exige alguma leveza, tema e título atraente que te chame para seguir junto comigo o pensamento.

Precisa de certo bom humor, que não é bem o cotidiano de quem batalha diariamente pela sobrevivência. Precisa de energia e saúde – e o que nestas duas últimas semanas não está sendo bem o caso. Tosse não ajuda.

Eu estou, e pelo que sei, junto com mais por aí uma torcida do Corinthians, estamos todos acometidos de uma coisa, mudança de estação, tempo seco, planeta doido, e que não é gripe, não é Covid, mas traz uma insuportável tosse seca (que nos acorda para acontecer também de madrugada), pega a garganta, detona a voz. Até falar ao telefone vira tarefa hercúlea.

Tudo isso explica porque esta semana apelei mesmo foi para a fada do tema. Escrever de novo sobre os movimentos erráticos de Lula, ou do seu antecessor que pula fogueiras para fugir das responsabilidades de tudo e tanto o que aprontou? Sobre a escalada da violência urbana que tem dias dá medo até de chegar na janela? Sobre a impunidade que nos assombra, a miséria do descompasso social, os feminicídios que se multiplicam? Sobre este perigoso centralismo de decisões que têm escorrido da Justiça e que um dia pode se virar contra todos nós? Sobre guerra? Sobre a ignorância e escalada de moralismo hipócrita? De novo?

Hoje não. Me deixa melhorar, ao menos parar de tossir. Aliás, há alguns autores que garantem que a tosse – na linguagem do corpo – pode ser sinal de uma raiva que “não sai da garganta”. Pensa aí o quanto esses assuntos nos assombram, nos fazem mesmo muito mal. Tanto que muitas vezes não conseguimos nem falar sobre eles. Muito menos escrever.

___________________________________________________

marli - tema
MARLI GONÇALVES Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
(foto: @catherinekrulik)

ARTIGO – Ídolos e o sobe e desce. Por Marli Gonçalves

Ídolos sobem aos céus e descem ao inferno, na morte e na vida. Sofremos como se fossem da nossa família quando se vão; razoável, porque devemos a eles muitos aspectos de nossa própria existência construída pela admiração, exemplos bons ou maus que imitamos. Suas vidas se misturaram às nossas.

Ídolos

Para quem já viveu um pouco mais, os últimos tempos têm sido de grandes perdas de ídolos importantes que acumulamos, acompanhamos durante décadas e aprendemos a admirar e seguir. Não como se segue hoje qualquer babaca em redes sociais, muito mais especulando fotos ou fofocas, opinando em suas redes, cancelando-os quando decepcionam, tentando nos meter em suas vidas amorosas, na forma como se vestem e até em suas opções políticas. E eles, sempre, tentando nos vender algum produto.

Ídolos eram muito mais inatingíveis, íamos aos seus shows adorá-los, tínhamos meras esperanças de um dia encontrá-los pelas ruas, conseguir um autógrafo. Quiçá uma foto, um beijo, um abraço. De alguns eram arrancados pedaços de roupa, fios de cabelo, tudo guardado em caixinhas inconfessáveis. Para outros até se arremessavam calcinhas, bichos de pelúcia. Tentávamos saber onde estavam, e ali nas portas de verdadeiros plantões encontrávamos outros “iguais” para trocar figurinhas durante a vigília. Lembro de muitas peripécias feitas por alguns ao longo dessa longa vida. Há uma magia nisso.

A morte de Rita Lee esta semana abalou geral e o incrível é perceber que foram lágrimas de todas as gerações e que foi o seu histórico revolucionário em costumes o mais recordado, especialmente como mulher à frente de seu tempo, corajosa e libertária, abrindo caminhos. Teve gente que chiou muito porque nessa memória apareceram também aspectos como o uso de drogas e álcool, bobagem, como se na hora da morte devesse ser apagada a verdadeira existência de quem durante tantos anos seguimos, inclusive praticando os mesmo erros muitas vezes. A expressão “sentar no próprio rabo” cai bem nos puritanos.

Ídolos de verdade não são perfeitos, e creio que por isso mesmo é que os adotamos, quanto mais próximos são de nós mesmos, de nossas imperfeições ou desejos. Não são santidades puras e cândidas, que essas encontramos em igrejas. Nos nossos ídolos procuramos coisas externas, os escolhemos para ver até onde vão dar seus hábitos, esquisitices. Eles acabam avançando em paralelo às nossas vidas. Se fazem músicas, são elas e suas letras que marcam indeléveis fatos de nossas histórias, e ao ouvi-las não há como deter a memória, a emoção, a alegria ou mesmo a tristeza desses momentos. Podem passar décadas e isso acontece. Rita Lee e sua carreira longeva é um dos maiores exemplos de alguém que caminhou ao nosso lado, da rebeldia total ao amor, da juventude ao envelhecimento, da saúde invejável a como conviveu serena com a terrível doença até o fim. Ela nos contou sempre tudo. Escreveu tudo. Disse tudo.

Mais: pareceu deixar preparados também todos os aspectos de sua partida. Até a escolha do genial lugar para o velório, o Planetário do Parque Ibirapuera, ali, entre o céu e as estrelas. Evitando assim, além de políticos hipócritas presentes, o horror dos velórios no frio branco do mármore do gigantesco salão da Assembleia Legislativa, onde normalmente são veladas as personalidades em São Paulo.

À esta altura já perdi a conta de quantos de meus ídolos já se mandaram; alguns até hoje teimo em não acreditar e fazer de conta que ainda estão por aqui. Porque eu estou por aqui e trago em mim muitas das coisas que neles admirei, segui, aprendi, fiz bobagem junto, cantarolei ou dancei.

Daí não poder deixar de dar uma boa reclamada sobre essa mania cada dia mais insuportável de que todo mundo é “influencer”, famosinho, “mito”, etc. etc. porque têm alguns “seguidores”, entre eles muitos até com milhares de robôs ou nomes fantasminhas comprados de alguma agência de marketing de influência.

Ídolo, minha gente, é coisa séria, não dá em árvore como essas novidades que aparecem (e também na mesma desaparecem) todos os dias postando o que comem, quem beijam, os seus escandalosos recebidinhos que elogiam sem qualquer cuidado, como se eles próprios usassem mesmo aquelas coisas. Fazem boca de pato, posam ao lado de carrões, barcos e aviões, andam por aí com fotógrafos a tiracolo que registram seus passos como se fossem naturais, mucamas e escravos os servindo e abanando seus calores.  Podem ser perigosos, especialmente quando tentam acreditar que são ídolos. Ou mitos. Milionários e de pés de barro.

Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa. Ídolo deixa história, é ícone. Mitos, a gente bem sabe o perigo que carregam.

___________________________________________________

foto de @catherinekrulik

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Novelas sem fim. Por Marli Gonçalves

Tem umas novelas que nunca exatamente chegam ao fim. Se repetem, intermináveis. Os personagens reaparecem. Há os tais remakes. Os enredos se enroscam. Na política nacional vivemos um dos piores casos e parece que não tem jeito de a gente se livrar dos canastrões e canastrinhas

PROHIBIDO OLVIDAR - Recuerdos Reales Contados y Cantados en Castellano: TODOS LOS DÍAS LA MISMA HISTORIA (Parte 1): Yo veo telenovelas, y qué? (Dedicado a mi madre Norma)

Não há travessia que aguente. Não tem pantanal que se salve assim. Não tem terra nem paixão que resista. O Brasil virou uma novela interminável, sempre com a volta de personagens obtusos, suas falas truncadas e suas repetidas atuações abaixo de qualquer nível razoável. O último capítulo, aliás, se repete indefinidamente dia após dia e até já decoramos as falas de não fui eu, não sei de nada, isso é perseguição, as investigações serão rigorosas e providências serão tomadas. Pior é termos de reviver novamente todos os capítulos anteriores, no caso mais recente a revelação da falsificação dos comprovantes de vacina, os quatro anos do governo anterior e seus personagens entre caricatos, vilões, assistentes de mau caráter e atitudes insidiosas, tudo sempre envolvendo o ignóbil protagonista principal, seu núcleo e muitos figurantes fantasiados de patriotas. Todos ainda no palco, quando o que mais queríamos é que essas cortinas fossem cerradas, que tivéssemos o direito de esquecer deles e do mal que já fizeram.

Ah, bom, que bem sei que não é de hoje, com a reeleição corrente e possível, com o tal remake que repete a busca do sucesso da primeira versão sem levar em conta a passagem do tempo, as novas condições e  inclusive o envelhecimento dos atores principais, e até das suas ideias, textos e formatos. Fora os erros das primeiras edições nunca consertados ou revistos, muito menos assumidos e desculpados.

Tomo o Brasil como cenário, mas claro que as novelas também têm se repetindo no cenário internacional, muitas atravessando até séculos,  as guerras, desentendimentos por motivos religiosos, lutas pelo poder e territórios. E ainda  pandemias como a última que vivemos nos últimos três anos e dois meses que teve agora proclamada seu fim como emergência global, deixando o saldo subestimado de sete milhões de pessoas que deixaram de contribuir e continuar suas histórias –  e entre elas havia autores que ainda teriam muito a contribuir e se consagrar, em capítulos que não conheceremos, arrancados do roteiro da vida.

O Brasil é mesmo louco por novelas. Acompanha o desenrolar, participa como pode, comenta, aplaude e/ou cancela. As novelas lançam modas e comportamentos. Mesmo revivendo tempos antigos, de outras épocas, tentam trazer a discussão de temas importantes do passado, revistos, e da atualidade e sociedade; buscam a opinião pública, e pelo menos na tevê melhor se diversificam até o famoso último capítulo, disputado a preço de ouro pelas empresas e publicidade de seus produtos por conta da audiência que conseguem em seu desfecho. A partir daí certamente veremos os atores e atrizes novamente mais adiante, mas em outros papéis, outros personagens, construindo novas histórias, para os quais mudam aparência, estilo, cabelos e figurinos, e até seus sotaques. Ganham um tempinho para refrescar suas imagens, e até fazer com que esqueçamos seus inevitáveis fracassos de interpretação.Telenovela e Cultura Brasileira | Prof. Barbosa - Sociologia

Na vida real, não, e isso está ficando especialmente chato. Temos de relembrar os horrores, além de ver os mesmos personagens, vozes, aparência e cacoetes. Pior, se repetindo ao vivo, não são apenas flashbacks como os recursos que ajudam quem perdeu algum capítulo a entender as cenas.  Sempre são repetidas as cenas piores, as falas e subterfúgios, as reações às novas revelações que os trazem de novo às telas e noticiários. Imitando a ficção, quando perdem a audiência, tentam, rolam despenhadeiro abaixo tentando corrigir algumas cenas e tudo fica mais ainda sem pé nem cabeça.

A diferença é que quando é ficção a gente ri, corneta, desliga. Na real, como sempre, nessas novelas acabamos é envolvidos nas tramas, perturbados. Muitas vezes sem direito de nascer ou morrer, ao menos. Sem redenção, apenas percorrendo a perigosa Avenida Brasil.

___________________________________________________

foto: @catherinekrulik

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Luta livre, sempre. Por Marli Gonçalves

Todo dia é dia de luta. Todo dia primeiro, seja de maio ou não, é sempre dia de uma luta inglória com a gente se engalfinhando com a lista de contas, prestações e quetais a pagar, que se estendem por todo o período, em círculos; acabou uma vem outra, e outro mês. Pelo que se luta? A favor ou contra? Justiça ou repressão? Pelo que cerramos os punhos, levantamos braços, nos mobilizamos?

O que quero dizer é que vivemos, de alguma forma, sempre engajados em alguma luta,  e isso independe até de posições políticas – que agora até a rançosa direita, oportunista, se apropria de falar que – logo ela, que as abate – está lutando por coisas que sempre nos foram caras, tal a confusão estabelecida. Estabelecida, repito. Lutar contra fake news é ir contra a liberdade de expressão? A busca de regular as redes sociais e suas empresas milionárias que estão sempre deixando o barco correr com a navegação de tudo que é muito ruim é certa ou errada? Isso pode se virar contra nós em algum futuro? Podemos gritar “fogo!” em um ambiente fechado cheio de gente para ver no que dá?

Precisamos tomar sempre todos os cuidados com essas discussões que ocuparão um bom espaço nos próximos tempos neste nosso endiabrado país às voltas agora com a busca de aprovação de projetos de leis, com o andar de uma CPI sobre o maldito 8 de janeiro, com as decisões da Suprema Corte e de alguns ministros mandões. O Brasil está chacoalhado, dividido, armado. Com armas e ideias retrógradas, além das desinformações. Descuidado da educação, da cultura, da história, o Brasil deixou crescer barbaridades, influências, medos e ignorâncias e não há pós-verdades simples que resolvam pelo menos não tão cedo, nem com tesouradas de censura, muito menos com atos autoritários. Nossa gente está doente, apavorada, insegura.

Conversando essa semana com uma mulher simples, de comunidade, esta me contava, aflita – quando perguntei como estavam as coisas – que achou, dentro da mochila que o seu mirrado filho de oito anos levaria à escola, uma faca de cozinha, toda enrolada em papel alumínio e panos. Ele, agoniado, explicou que era só para se defender caso o “matador” (o novo bicho-papão das crianças) invadisse sua escola. Mais, ela me contou que poucas escolas de sua área estão funcionando normalmente, que as fake news (sim, ela sabe o que é isso e usou essa expressão) rolam multiplicadas entre as mães que há quase um mês se recusam a enviar seus filhos para estudar. Disse ainda que, mesmo com reuniões constantes com as forças policiais e com os diretores e professores garantindo segurança, as coisas não melhoram. E que tem até professor assustando alunos anunciando massacres, reverberando boatos que continuam rolando em redes sociais.

Imaginei isso em escala nacional. Não bastasse a rasante que a pandemia causou na educação, isso tudo acontecendo agora que ela precisa ser retomada. Como preencher esse vácuo, esse atraso no aprendizado? Como reestabelecer a tranquilidade de uma mãe que necessita deixar os filhos na escola para trabalhar, isso, claro, quando ainda tem um trabalho a garantir?

A quem interessa que sigam essas molecagens digitais sem controle? Censura, aprender os autores? Quantos pais estão conversando ou averiguando as mochilas de seus filhos até para entender onde estão os seus medos? O que escutam dentro de suas casas ou na igreja que frequentam? Que gerações futuras sairão disso tudo?

Que braços levantamos, que punhos cerramos para continuar, toda a sociedade, e muito além do dia disso ou aquilo, feriado ou não? Mulheres, contra a misoginia, para sobreviver à violência doméstica, aos cuidados e segurança dos filhos. Negros contra o racismo. A comunidade LGBTQIA+ contra o preconceito e a violência que mata e sufoca. Todos, por trabalho, moradia digna, acesso à saúde física e mental.

A luta ainda é livre. Vale tudo. Vale todas. Mudam o mundo.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________